LEMBRANÇAS
Baden Powell / Wilson Simoninha (2000)
Crítica
Cotação:
"Eu gasto violão. Quando estou fazendo show, toco forte mesmo". A definição bem humorada é do próprio Baden Powell (1937-2000) no vídeo promo que acompanha seu último disco, gravado em maio (ele faleceu em setembro), sob a direção do produtor Fernando Faro. Num tape de 1973 inserido no vídeo, Baden faz uma revelação curiosa: a música Consolação ia se chamar Samba da Pergunta, título de grande sucesso da dupla Pingarrilho e Marcos de Vasconcellos. Mas os que têm a imagem de um violonista "descendo a lenha" no pinho, como ele acostumou seu público, vão tomar um susto com a pungência de Lembranças. De um lado, a escolha nostálgica do repertório ("ele era músico de boate tinha de tocar de tudo", lembra Faro), constituído quase todo por músicas de mais de meio século de existência como a valsa Branca, de Zequinha de Abreu, de 1924, o primeiro samba-canção, Linda Flor (Ai Ioiô) (Henrique Vogeler/ Luiz Peixoto/ Marques Porto), de 1929 e Mágoas de Caboclo (J.Cascata/ Leonel Azevedo), de 1936. As raras exceções são suas duas únicas composições incluídas no roteiro, O Astronauta (parceria com Vinicius de Moraes), de 1964 e Falei e Disse (com Paulo César Pinheiro), da década de 70.
Por outro lado, o próprio desempenho do solista (com raras intervenções da flauta de Teco Cardoso e da discreta percussão de Fred Prince) tornou-se muito mais meditado que impulsivo, ditado pelo ritmo. Nisso influiu a saúde debilitada pela diabetes desde 1972, que roubou-lhe agilidade e vigor, mas não conseguiu diminuir sua genialidade. Basta ouvir a completa remodelagem estética da carnavalesca Pastorinhas, sucesso perpétuo de Noel Rosa em parceria com João de Barro (o Braguinha), de 1935. Ralentada e seresteira, ela tem a melodia escandida pelo violão sobre cama harmônica de flauta (que mais adiante evolui em improvisos paralelos) num desempenho comovedor. Quando finalmente entra o ritmo original de marcha-rancho, a composição já ganhou novo rosto. Outro momento mágico é o do samba-canção Inquietação (1934), uma das mais perfeitas composições de Ary Barroso que Baden esquadrinha a fundo melódica e harmonicamente. O mesmo faz com Maria, também do autor (com Luiz Peixoto), redescoberta recentemente pelo duo Gilberto Gil & Milton Nascimento.
Mais uma irretocável obra-prima da MPB, Dora, de Dorival Caymmi, onde o violão adiciona um toque de clarim, ganha prefácio de O Mar, do mesmo autor ("acho que a inspiração lhe ocorreu quando afinava o violão", comenta Faro). E sua própria Falei e Disse sofre interseção de Formosa, exatamente como ocorre num fluxo de lembranças que conduzem a atalhos. Como na execução em duas oitavas de Minha Palhoça (reforçada por vocalise do próprio violonista) nos moldes consagrados por jazzistas como Wes Montgomery. Ou na revisita amorosa com intervalos de balanço, ao clássico do samba-canção enfossado Molambo, de seu mestre no violão, Jayme Florence, o Meira (com Augusto Mesquita). Todas as trilhas levam (e trazem) o violão de Baden - o melhor de todos.(Tárik de Souza)
Por outro lado, o próprio desempenho do solista (com raras intervenções da flauta de Teco Cardoso e da discreta percussão de Fred Prince) tornou-se muito mais meditado que impulsivo, ditado pelo ritmo. Nisso influiu a saúde debilitada pela diabetes desde 1972, que roubou-lhe agilidade e vigor, mas não conseguiu diminuir sua genialidade. Basta ouvir a completa remodelagem estética da carnavalesca Pastorinhas, sucesso perpétuo de Noel Rosa em parceria com João de Barro (o Braguinha), de 1935. Ralentada e seresteira, ela tem a melodia escandida pelo violão sobre cama harmônica de flauta (que mais adiante evolui em improvisos paralelos) num desempenho comovedor. Quando finalmente entra o ritmo original de marcha-rancho, a composição já ganhou novo rosto. Outro momento mágico é o do samba-canção Inquietação (1934), uma das mais perfeitas composições de Ary Barroso que Baden esquadrinha a fundo melódica e harmonicamente. O mesmo faz com Maria, também do autor (com Luiz Peixoto), redescoberta recentemente pelo duo Gilberto Gil & Milton Nascimento.
Mais uma irretocável obra-prima da MPB, Dora, de Dorival Caymmi, onde o violão adiciona um toque de clarim, ganha prefácio de O Mar, do mesmo autor ("acho que a inspiração lhe ocorreu quando afinava o violão", comenta Faro). E sua própria Falei e Disse sofre interseção de Formosa, exatamente como ocorre num fluxo de lembranças que conduzem a atalhos. Como na execução em duas oitavas de Minha Palhoça (reforçada por vocalise do próprio violonista) nos moldes consagrados por jazzistas como Wes Montgomery. Ou na revisita amorosa com intervalos de balanço, ao clássico do samba-canção enfossado Molambo, de seu mestre no violão, Jayme Florence, o Meira (com Augusto Mesquita). Todas as trilhas levam (e trazem) o violão de Baden - o melhor de todos.(Tárik de Souza)
Faixas