DEVOTOS

A heróica banda de punk-rock do Alto José do Pinho, uma das comunidades mais pobres de Recife, dá claras mostras de evolução em seu segundo disco. Foi-se o ódio no nome (o primeiro, Agora Tá Valendo, de 1997, era assinado como Devotos do Ódio), mas não a fúria no som. Foi-se também um pouco da ortodoxia punk, mas veio uma nova sonoridade, cuidadosamente burilada no estúdio da Rock It! no Rio de Janeiro pelo guitarrista da Legião Urbana, Dado Villa-Lobos, que produziu Devotos. O hardcore da banda permanece intacto em faixas como Nós Faremos que Você Nunca Esqueça e O Herói, mas começa a revelar algumas infiltrações melódicas (o vocalista e baixista Cannibal chega a algo próximo do canto) em Nobre e em Meu País, balada pesada que tem participação de Tony Platão nos vocais e uma letra que é um emocionado retrato do país. A Vida que Você Me Deu até engana, com seus primeiros segundos hardcore, mas é um convincente reggae, com participação de Rás Bernardo, que vem a ser o vocalista original do Cidade Negra. A mensagem política é forte em Devotos, como se pode conferir nas faixas Desesperado (com narração de Marcos Hummel num documentário sobre a guerrilha no México) e a regravação de Selvagem, dos Paralamas do Sucesso, com uma gentil participação de Herbert Vianna nos vocais. A força do som e do discurso, as criativas soluções sonoras (com microfonias e ecos na guitarra de Neilton) presentes no disco dos Devotos provam que nem só de mangue beat é feita a cena musical de Recife. (Silvio Essinger)