FRAGMENTOS

Este não é um novo trabalho de Naná Vasconcelos, e sim uma compilação de temas que o músico compôs para filmes e espetáculos teatrais. Como seria de se esperar num trabalho como este, a coesão sonora entre as diversas faixas não é o forte do disco, e por vezes o ouvinte ressente-se da falta de referências sobre as obras que serviram de inspiração para as músicas. O peculiar hermetismo do projeto não impede que, através deste CD, tenha-se um bom panorama da musicalidade de Naná - que passeia por vários ritmos guiados basicamente por suas percussões e mais uns poucos instrumentos harmônicos e/ou vocalizações.

As músicas do disco são desconstruídas, econômicas mesmo; certamente tratam-se de composições feitas para sugerir e complementar climas gerados pelas imagens. O Nordeste brasileiro é presença forte na sonoridade do disco, dominando a peça mais imponente do álbum - Sertão das Memórias, composição dividida em seis movimentos feita para o filme homônimo, de José Araújo. Ao longo de nove minutos, a performance percussiva de Naná (com alguns efeitos vocais de fundo), com ênfase no berimbau, evoca a essência descarnada da música nordestina, sem enfeites desnecessários. Vai tudo num crescendo de ritmos até chegar ao último movimento da peça, Morte do Nego Santo, desolado e atonal. O mesmo Nordeste vem de forma bem mais "musical" no simpático Forró do Antero, com vocal (sem letra) de Pamela Driggs. Vozes é outro belo momento de criação bruta: vocalizações superpostas do próprio Naná ganham delicada moldura de cordas clássicas, feita por Egberto Gismonti. Naná também passeia em uma fronteira imaginária entre nossa música indígena e o primitivismo africano (em Caminho dos Pigmeus, feita para um documentário inédito no Brasil); e retoma mais sons ancestrais com Gorée.(Marco Antonio Barbosa)