DE LETRA & MÚSICA

O título do disco que lançou Nei Lopes na carreira artística em 1973, Tem Gente Bamba na Roda de Samba, se adequaria perfeitamente ao seu mais novo trabalho, Nei Lopes de Letra & Música. Cercando-se de convidados muito especiais, o polivalente Nei – que acaba de lançar uma ótima minibiografia de Zé Kéti pela coleção Perfis do Rio – achou uma solução ideal para reunir seu talento de compositor à voz de intérpretes melhores do que ele mesmo. Nei não economiza: divide o microfone com a fina flor da MPB, aí incluídos Chico Buarque, João Bosco, Joyce, Alcione, MPB-4 e Zé Renato. Entre inéditas e sucessos, destaca-se logo de cara a bonita – e mais que merecida – homenagem a Dona Ivone Lara, Senhora da Canção. Utilizando uma idéia singela e simples ("Ivone Lara ra ra ra ra ra"), com o vocalize da própria primeira dama do samba, Nei emociona quando canta "Lavando a nossa alma/ com a mais fina inspiração/ meu samba te pega na palma/ e beija tua mão", versos do parceiro Claudio Jorge. Alcione entra na segunda parte, dominando a cena com seu poderio vocal, mas quem prestar atenção ainda ouve Dona Ivone lá atrás com seu "la ra ra ra ra"... Wilson Moreira, o parceiro de dois históricos discos e muitos sambas memoráveis, não podia ficar de fora. Vem abrindo o disco ao lado do afinado sambista convertido Zé Renato no hino Senhora Liberdade. E os partidos-altos que fizeram a fama da dupla estão muito bem representados por Goiabada Cascão, Coisa da Antiga, No Tempo do Dondon, Mocotó do Tião (que foi até atualizada, incluindo um verso que se refere a "um clipe do Spike Lee (believe me)" e Fidelidade Partidária. Esta última, originalmente gravada com participação estranhíssima de Evandro Mesquita no disco O Partido Muito Alto de Wilson Moreira e Nei Lopes (85), ganhou muito com o charme de Joyce, que afina em tudo com Nei, graças aos malabarismos do arranjo de Gilson Peranzzetta, que modula pra lá e pra cá a fim de se ajustar aos tons dos dois. Ao longo do disco, salta aos olhos a felicidade de muitos dos casamentos música-convidado. O sempre contido Chico Buarque encontra o tom certo para o Samba de Irajá, Zeca Pagodinho parece ter passado a vida cantando essa Moqueca de Idalina, Emílio Santiago está perfeito em Gotas de Veneno, e vai deixar muita gente boquiaberta com sua performance nesse arranjo de Leandro Braga, cheio de metais e suíngue. Outra feliz parceria é em Sonho de uma Noite de Verão, que, apesar da voz sofridíssima do excepcional violonista e arranjador que é Guinga, se recria aqui como uma verdadeira pérola. Já Fátima Guedes parece um pouco perdida entre tamborins e cuícas em Minha Arte de Amar e Martinho da Vila exagera na emoção em Gostoso Veneno. Pequenos tropeços que não descredenciam as quinze faixas (dezoito músicas) da lavra inspirada de Nei Lopes. (Nana Vaz de Castro)