A MÚSICA BRASILEIRA DESTE SÉCULO POR SEUS AUTORES E INTÉRPRETES - PEDRO CAETANO

A primeira das muitas delícias do depoimento do sambista Pedro Caetano ao programa Ensaio em 17/12/73 é saber que o samba É Com Esse Que Eu Vou, um de seus maiores sucessos, foi composto em 1948 durante uma péssima viagem de trem de Vitória a Belo Horizonte - tão ruim que levou 30 horas para completar o percurso, tempo suficiente para a elaboração do clássico gravado pela primeira vez, naquele mesmo ano, pelos Quatro Ases e Um Coringa e, 25 anos mais tarde, por Elis Regina. A segunda é ouvir Pedro Caetano falando sobre sua relação com a Mangueira, uma relação bem diferente daquela dos sambistas que viviam na e para a própria escola. Caetano simplesmente morava perto do morro da Mangueira e era um fã da escola e de seus compositores. Para ela compôs a bela homenagem Onde Estão os Tamborins? ("Mangueira, onde é que estão os tamborins, ó nega?/ Viver somente do cartaz não chega/ Põe as pastoras na avenida, Mangueira querida"), em 1947, uma época em que a Mangueira estava em baixa e seu maior compositor, Cartola, andava afastado da agremiação. Explicitando que, ao completar 40 anos de atividade na música popular, até então nunca havia se arriscado como cantor ("estou apenas dando uma demonstraçãozinha, ou, por outra, fazendo ‘lembretes’"), Caetano esbanja simpatia e não compromete com seus "lembretes", vasto repertório de sua carreira iniciada aos 12 anos, quando mudou-se de Bananal (SP) para o Rio e dividia o tempo entre o trabalho em uma loja de sapatos e o sambinha com os amigos. É pena que, por não se julgar cantor, Caetano pare de cantar no meio a linda valsa Caprichos do Destino, primeiro sucesso com o parceiro favorito, Claudionor Cruz, gravada com sucesso por Orlando Silva em 1936 ("foi um daqueles sucessos que convencem mesmo o autor"). Da mesma parceria saiu logo depois, na voz de Francisco Alves, a marcha Eu Brinco (Com Pandeiro ou Sem Pandeiro), outro sucesso "convincente". A sucessão de marchas e sambas contagiantes é impressionante: O Que Se Leva Dessa Vida, O Vestido Que Eu Dei, Botões de Laranjeira, Disse Me Disse, Sandália de Prata, O Samba Agora Vai, um atrás do outro, com o competente apoio do violonista identificado no encarte apenas como Makumbinha. E uma série de outras músicas compostas com motivos humorísticos, na tradição das marchinhas carnavalescas compostas nas mesas do Café Nice, quando samba não era profissão, como Pingo e a Pinga, Levei um Bolo!, Moreninha, Moreninha, Eu Sou o Tostão, Credi-Bife, Não Brinca que a Chica Chia, e a inacreditável Pindamonhangaba ("até logo, eu vou pra Pinda/ porque Pinda está pra mim"), verdadeiras crônicas sobre a época (o tostão que vira dez centavos, o alto preço do bife etc.). Há ainda a valsa A Dama de Vermelho, verdadeiro hit do estilo na voz de Chico Alves. Enfim, o disco é uma ótima oportunidade de desfrutar da companhia mais que agradável de Pedro Caetano e seus sambas de traquejo e graça.(Nana Vaz de Castro)