ACERTEI NO MILÊNIO
Ângela Rô Rô (2000)
Crítica
Cotação:
Doze anos depois de seu último CD de estúdio e sete depois de um álbum ao vivo, Ângela Rô Rô volta ao mercado. Renovada, com seu timbre rouco e quente inconfundível, ela venceu a sua confessa preguiça e seu inferno pessoal e escreveu uma autobiografia, mais uma vez, através da música. Agora, porém, ela está mais eclética do que nunca. Quem tiver alguma dúvida acerca de tratar-se de um autêntico disco de Rô Rô, basta ouvir a primeira faixa de Acertei no Milênio (Jam Music) e as incertezas cairão por terra. O bolero O Cinema, a Princesa e o Mar é um candidato a hit - uma daquelas canções da incurável romântica que é a cantora. Talvez para compensar o tempo perdido, Ângela compôs nove canções (três delas inaugurando a parceria com seu fiel tecladista, Ricardo Mac Cord). E nesse balaio, há de tudo: o funk Viciei em Você, a canção de inspiração beatle Sim, Dói e cinco sambas (!), frutos de um lado malandro carioca que aflorou em Ângela. São eles: a faixa-título (inspirado no sucesso de Moreira da Silva, Acertei no Milhar ), que fala de um Brasil otimista, a autobiográfica Boêmia do Sono ("São seis horas da manhã (...) Monto na bicicleta ergométrica/ Tiro chinfra meia hora/ E vou buscar o jornal/ Não bebo, como pouco e pouco sal"), a ensoladarada Coquinho e a ácida e inspirada Gata Mata Hari ("Faz barraco, faz quizumba, onde quer que eu pare/ Pra conseguir qualquer capricho seu/ Ela rasga a própria carne e quem sangra sou eu") e a hilária Fila de Ex-Mulher ("Tem fila de ex-mulé batendo em minha porta/ Dizendo que a culpa é minha da sorte ser torta/ Agora não importa/ Inês já é morta"). Como se não bastasse, há uma incursão de Rô Rô no campo da toada, Raiado de Amor - dá até para imaginar Inezita Barroso a interpretando. Entre as pérolas que Rô Rô regravou, destaca-se sua excelente releitura de All of Me (composta em 1931 por Seymour Simons e Gerald Marks e gravada por Billie Holiday, Louis Armstrong, Johnnie Ray, Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, entre muitos), uma versão elétrica de Don’t Let Me Be Misunderstood (clássico nas interpretações de The Animals, Nina Simone e tantos outros), a bela Gota D’Água (composta por Chico Buarque para a peça homônima) em ritmo de blues e até uma interpretação discreta da bossa 50 Anos (Cristóvão Bastos/ Aldir Blanc), gravada há quatro anos por Paulinho da Viola no CD que comemorava o cinqüentenário de Blanc. Há que se destacar os arranjos de Ricardo Mac Cord, que driblou bem a produção modesta do CD e, mesmo sem as orquestras que figuravam em seus discos no passado, realizou um trabalho bastante inventivo. Pode não ser o melhor álbum de Ângela, mas é uma volta corajosa com rasgos de ousadia. Como, aliás, setencia a faixa 50 Anos, "Eu vim aqui prestar contas/ De poucos acertos/ De erros sem fim". Que seja o primeiro de uma série da cantora na nova gravadora.(Rodrigo Faour)
Faixas