AMAR - UM ENCONTRO COM FLORBELA ESPANCA

Encarar Amar pela primeira vez é encarar uma incógnita. Não dá para saber o que esperar deste CD da cantora paulista Nicole Borger, que para seu primeiro álbum fez uma opção estética arriscada, na qual muita gente boa já escorregou - musicar poemas. Não quaisquer poemas, mas os passionais sonetos da portuguesa Florbela Espanca. Da intrigante premissa inicial salta um belo disco, banhado em bom gosto e muita emoção. Nicole, contralto treinada classicamente, revela ser mais que apenas uma intérprete afinada. Ela tomou a si a tarefa de musicar os versos de Florbela, exibindo surpreendentes dotes de compositora; também participou da cuidadosa construção dos arranjos. Quem esperar rios de lágrimas saltando do CD (por conta da carga emotiva das letras) ou uma previsível sucessão de fados (pela nacionalidade da poetisa) vai encontrar algo bem diferente: um trabalho contido e variado, digno de uma artista já madura. Bela revelação.

Para acompanhar os versos não raro comoventes de Florbela, Nicole optou pela delicadez na construção das faixas. Isso se faz notar especialmente nas belas melodias de Amar, Caravelas eRústica, pérolas envoltas em arranjos eminentemente acústicos, com uso discreto de cordas clássicas. A referência ao Portugal nativo da poetisa se encontra explicitamente em Meu Fado, e também em duas faixas (Maria das Quimeras e Castelos) dominadas por tons ibéricos, quase árabes. Exibindo estofo suficiente para vôos menos previsíveis, Nicole contrasta sua voz doce com o berimbau faceiro que pontua Voz que se Cala, que ganhou contornos de baião sofisticado; aproxima-se sutilmente do samba em Saudades, e confraterniza-se de vez com o ritmo em Os Olhos não Mentem (esta com gosto de Rio antigo); e esbanja soul na balada-quase-blues de Desejos Vãos e na inaudita sutileza jazzística de Gosto de Ti. (Para comprar o CD, visite o site www.nicoleborger.com.br). (Marco Antonio Barbosa)