AS SEGUNDAS INTENÇÕES DO MANUAL PRÁTICO
Ed Motta (2000)
Crítica
Cotação:
Ed Motta insiste num conceito de pop, mas ele é o de pelo menos 25 anos atrás. É o da música que "fica uma delícia se ouvida num rádio de pilha sintonizado na AM em uma noite de frio", imagem que está no release de As Segundas Intenções, e é usado para descrever a balada À Deriva, que tem letra de Zélia Duncan (parceira dos tempos do primeiro Manual). Definitivamente, o Ed Motta do novo disco é muito mais Cassiano do que, por exemplo, Lulu Santos – que, por sinal, assina a boa letra de Pisca Alerta, balanço com metais à la Moacir Santos. Ed é o músico com fixação pelos detalhes, pelas belezas que se encerram em breves passagens. É o burilador que vasculha o passado em busca de petiscos sonoros, não contaminados pelos temperos modernos. Musicalmente, As Segundas Intenções é impecável: Donato, Ed Lincoln, o soul da Filadélfia, os saudosos timbres de teclados analógicos, Stevie Wonder, Azymuth, Horace Silver, Steely Dan e tantas outras excelentes referências se encontram numa festa para lá de chique. Colombina (com letra de Rita Lee, outra parceira dos tempos do Manual) é a coisa mais pop e contemporânea do disco, com sua batida house quase sacrílega. No outro extremo, está Outono no Rio, jazz-ballad com abertura de vibrafone e uma rica orquestração. Entre as duas, estão músicas que trafegam pelo funk setentista com pegada jazzística (de um Roy Ayers, diria-se) e infiltrações de samba e bossa (Marcos Valle, pode ser). Chico Amaral (Skank), Ronaldo Bastos, Nelson Motta e Doc Comparato ainda dão uma força a Ed nas letras de Segundas Intenções, mas sua grande realização pessoal no disco parece ser a A Tijuca em Cinemascope, instrumental de clima cinematográfico, homenagem aos grandes trilheiros, como Henri Mancini. Talvez fosse a hora de a gravadora deixar o cantor fazer aquele disco experimental e jazzístico que ele tanto anseia em fazer – esse daqui foi quase lá.
(Silvio Essinger)
Faixas