BAHIA DO MUNDO - MITO E VERDADE
Carlinhos Brown (2001)
Cotação:
O título de dissertação de mestrado nada tem a ver com o pop miscigenado oferecido pelo franco atirador Carlinhos Brown em seu terceiro disco. Em relação ao anterior, Omelete Man (1998), que vendeu apenas 30 mil cópias num contraste com as 135 mil da estréia com Alfagamabetizado (1996), duas diferenças básicas. Bahia do Mundo é mais focado que Omelete Man, um trabalho tão multifacetado que parecia produto de vários autores, ainda que fosse de um só. E por isso mesmo é menos rico que o antecedente.
Mesmo assim, a usina energética CB continua produzindo relâmpagos de criatividade incontrolável, a começar pelo macio reggae de abertura, Pegadas na Areia (testado sob a chuva de garrafas de água mineral do show do Rock in Rio), o híbrido funk/timbalada Crendice, de belas soluções melódicas, e o agalopado Mil Verões, raro caso de enredo linear ("ligo o rádio/ mas o pensamento é em você/ pra nunca mais te esquecer"), ao contrário de quase todas as outras faixas letradas por esse acrobata da sintaxe sem rede. Alguns exemplos: "te quero in my way/ isso é um mar de fé/ no zap pele/ no sap filme/ tudo tem uma lógica/ chaminé minério" (Crendice). "Do self service/ sirva água em prece/ nada de peste/ nas campinas secas/ irriga meus olhos/ e desaglutina" (Lagoinha). "Dá margem pro marginal/ me dê a mão de sabão, de sabão, de sabão/ de violão, viola, violão" (Shalom). O letrista naif estabelece uma relação mais lúdica que significante com as palavras sempre inseridas num contexto percussivo, a base das aliterações estéticas do compositor/cantor/ percussionista.
O achado que conjuga orientalismo e nordestinidade em Cearabe, a voz aboiadora à galope no Cavalo da Simpatia contracenam com a lentidão de Senhora e o emboleramento de Shalom, passagens menos ins-piradas do vulcão inventivo. Em compensação, a cadência gingada da artilharia de surdos virados de Horário de Verão e a metralha de timbaus, congas e xequerês de Trabalhador de Carnaval alicerçada por sopros, atestam que a interface pulsante é o melhor do conglomerado de idéias que atende pelo nome de Carlinhos Brown.
(Tárik de Souza)