CARTOLA AO VIVO

Ao contrário de muitos compositores ilustres (e não apenas sambistas, ó preconceituosos!), Cartola era um grande intérprete de suas próprias composições. Além dos fundamentos técnicos (afinação, timbre, dinâmica), o mangueirense Angenor de Oliveira entoava seus sambas com um anasalado quase imperceptível e uma densidade emocional de comover frade de pedra. Este foi o último show dele, registrado em 30 de dezembro de 1978 (ele morreria em novembro de 1980, aos 72 anos) no Ópera Cabaré de São Paulo, pelo produtor de seu primeiro disco, o especialista J.C. Botezelli, o Pelão. Lançado em LP pela RGE e já na fase final da gravadora em CD (de parca distribuição), essa jóia preciosa sai agora pela Kuarup. Acompanhando pelo regional do Evandro (bandolim), completado por Pinheiro (violão), Lúcio (cavaquinho), Zequinha e Sylvio Modesto (ritmistas), o velho sábio dá um banho de desempenho. São apenas 11 números que valem o dobro tal o lastro de temas como Acontece, Amor Proibido, Sim, As Rosas Não Falam, Peito Vazio, Inverno do Meu Tempo, todas no território do samba-canção de enredo romântico. Um dos patriarcas do formato do samba moderno, Cartola ficou mais notabilizado pelas canções lentas emotivas do que pelos temas mais embalados, representados no CD por Alegria, Alvorada (parceria com Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho), Verde Que Te Quero Rosa (com Dalmo Castelo) e O Sol Nascerá (com Elton Medeiros). A gravação ao vivo conserva algumas imperfeições, mas além do óbvio valor documental, o CD ergue um monumento a O Mundo é um Moinho, talvez a mais bela composição de Cartola e certamente sua melhor interpretação - pausada, meditada, sofrida, espaçosa - da peça. Um clássico deste erudito popular.(Tárik de Souza)