CHORINHO FELIZ

Não é à toa que o álbum encomendado pela Comissão Nacional dos Descobrimentos Portugueses à dupla Maria João & Mário Laginha, em homenagem ao Brasil, começa com O Chão da Terra, uma quase inusitada canção africana, entoada em um dialeto de Moçambique. Quem acompanha a carreira dessa original cantora e jazzista portuguesa sabe que ela costuma reverenciar em seus discos a terra de seus antepassados maternos. Mas esse é apenas um aspecto da questão: Maria e o pianista Mário Laginha fizeram um disco que revela fortes influências da música popular brasileira, sem destoar dos quatro CDs que já tinham gravado juntos. Canções cheias de lirismo, como Em Tão Pouco Tempo Escureceu Tanto e Água Cinzenta, trazem uma marca musical da dupla: voz e piano interpretam as melodias em uníssono, numa fusão que chega a impressionar. Isso também acontece em Um Choro Feliz, mas o que mais chama atenção é o fato de que essa melodia poderia ter sido escrita pelo irreverente alagoano Hermeto Pascoal. Aliás, influências desse gênero sobressaem em outras faixas, como Flor, uma canção pop com levada de maracatu, que soa perfeitamente natural ao estilo (e à voz) de Lenine. Ou ainda em Um Amor, bolero que, apesar de contar com os belos vocais de Gilberto Gil, parece ter sido composto sob a influência de João Bosco. Já em outras faixas, como no sofisticado baião Forró da Rosinha, ou na suíte Sete Facadas, os ritmos brasileiros entram como um elemento de fusão nas incursões jazzísticas da dupla. Chorinho Feliz é uma homenagem que, em vez da reverência óbvia, confirma as fortes personalidades musicais desses dois lusitanos.(Carlos Calado)