DO LADO DA VOZ
Chico Mello (2000)
Cotação:
Estranha também é a versão da valsa Rosa (de Pixinguinha), que tem sua melodia distendida pela voz cool de Mello, ao longo de um hipnótico acompanhamento feito por tambor turco e violões. Não menos perturbadora, a versão de Eu Te Amo, de Tom Jobim e Chico Buarque, também desconstrói a melodia e o ritmo dos versos, repetindo sílabas entre sons de baixo elétrico, clarinetes, piano e percussão.
Depois de de ouvir essas releituras, as composições de Mello já passam a soar um pouco menos estranhas. É o caso da irônica Achado, cuja letra de Carlos Careqa ("Me sinto tão leve quando estou pesado / Me sinto tão achado quando estou perdido / Ah! Machado, quem te ensinou a escrever / Me sinto tão sadio quando estou doente") lembra o jogo de opostos da pós-tropicalista Tô, de Tom Zé.
Estranhamento e beleza se misturam em Valsa Dourada, que Mello canta com emoção contida, explorando os silêncios, acompanhado pelo expressivo bandoneom de Lothar Henzel e pelo violino choroso de Burkhard Schlothauer. Já a encantatória Paramá, com letra de Walney Costa ("pára na esquina, pára na cidade, pára na rua, pára na identidade / paramá paramá para não parar"), usa efeitos eletrônicos que remetem ao drum‘n’bass, sem apelar para a dança.
Insólito também é o pequeno dicionário poético, cujos verbetes Mello associa a cada faixa, no encarte do CD. O samba Mentir (de Noel Rosa), por exemplo, insinua uma fina definição de "ponto de vista": "é o ponto de onde se enxerga. Ao me deslocar no espaço enxergo o que o ponto me mostra. Quando o outro se desloca enxergo aquilo que os pontos me mostram. Uma mínima mudança de posição ou de tempo altera o ponto e a vista." Quem se dispuser a deixar um pouco de lado as redundâncias da música que estamos acostumados a ouvir diariamente e tentar escutá-la sob o criativo ponto de vista de Chico Mello só tem a ganhar.
(Carlos Calado)
