ELE E EU

Zé da Velha e Silvério Pontes (2000)

2000
Independente
Crítica

Cotação:

Renovar sem fugir às origens – esta é a diretriz do mais novo trabalho da dupla Zé da Velha (trombone) e Silvério Pontes (trompete). Ele e Eu é uma produção caprichada, luxuosa até, que, além do CD, traz um livro bilíngüe (português/inglês) contando a história da dupla de músicos e um pouco da história do choro. Juntos há 18 anos num casamento musical recheado de bons frutos – e relativamente poucos discos: este é o terceiro –, Zé e Silvério emprestam suíngue novo a antigos clássicos, como o choro Flamengo, de Bonfiglio de Oliveira (1894-1940) ou A César o que É de César (do mesmo autor), ambos com um balanço amaxixado irresistível, trazendo ecos de corta-jaca. Um ambiente quase jazz, meio samba-canção vem à tona em Voltei ao Meu Lugar, do Maestro Carioca, que conta com trompete com surdina, piano de Francis Hime, violões de Rogério "Nó em Pingo D’Água" Souza e ganzá discreto de Celsinho Silva. No mesmo clima, a versão cool de Cordas de Aço (Cartola) é mais um achado do disco, onde Silvério mostra que, além de choro, samba e gafieira, faz bonito no estilo Chet Baker, pegando fundo nos pianissimos, nas dinâmicas e no fraseado longo e pungente. E aqui, mais uma vez, o violão de Rogério Souza faz toda a diferença.

Disco de muitas nuanças, o choro "pra valer" come solto no clássico Carioquinha (Waldir Azevedo), com Ronaldo do Bandolim (Época de Ouro, Trio Madeira Brasil) solando e aproveitando os contracantos de Zé da Velha. No livro que acompanha o disco – Esses Meninos e um Pouco de Choro – Zé da Velha diz que aprendeu tudo de contracanto com o maior mestre na matéria: Pixinguinha, que aprimorou a técnica em seus famosos duetos ao saxofone com o flautista Benedito Lacerda. A célebre dupla tem duas composições no disco: Ele e Eu – a faixa-título, naturalmente polifônica e indicada para duetos, tercetos e quem mais vier – e Cheguei. Vale lembrar que Pixinguinha e Zé da Velha, a despeito dos 44 anos que os separavam, conviveram por quase 15 anos, numa relação próxima de mestre-discípulo, que, segundo o próprio Zé, se repetiu anos depois entre ele e Silvério.

Outros sambas de várias tendências completam o repertório. Pecado Capital, de Paulinho da Viola, com introdução de naipe de flautas e inspirado solo de flugelhorn (mais uma vez aqui, claramente a beleza dos contracantos do trombone), Falsa Baiana e Sem Compromisso (Geraldo Pereira), Alvorada (Cartola/ Carlos Cachaça/ Hermínio B. de Carvalho) e Degraus da Vida. O clima de salão também comparece em versão rostinho colado, melodicamente, em O Trombonista Romântico (Carlos Lima do Espírito Santo).

Um repertório como este, cheio de clássicos já exaustivamente gravados e conhecidos, realmente só faz sentido em um disco assim, com recriações originais que não descaracterizam as músicas. Vale também pela boa idéia do livro, um esboço geral do choro feito de forma criativa e até didática, sem ser cansativo. Ouça o disco, leia o livro, e, se puder, vá ao show. As encomendas podem ser feitas pelo e-mail ze_silverio@rionet.com.br (Nana Vaz de Castro)
Faixas
Ouvir todas em sequência
1 Flamengo Ouvir
(Bonfiglio de Oliveira)
3 Voltei ao meu lugar Ouvir
(Ivan Paulo da Silva "Maestro Carioca")
4 Pecado capital Ouvir
(Paulinho da Viola)
5 A César o que é de César Ouvir
(Bonfiglio de Oliveira)
6 Cordas de aço Ouvir
(Cartola)
7 Carioquinha Ouvir
(Waldir Azevedo)
8 O trombonista romântico Ouvir
(Carlos Lima do Espirito Santo)
9 Falsa bahiana Ouvir
(Geraldo Teodoro Pereira)
 
ELE E EU