ENCICLOPÉDIA MUSICAL BRASILEIRA - ARACY DE ALMEIDA
Aracy de Almeida (2000)
Crítica
Cotação:
Como no Brasil de hoje o que vale é o presente, o jovem, e tudo que passa de dez anos já é considerado velho e imediatamente esquecido, o que dizer de Aracy de Almeida? Para as gerações abaixo dos 35 anos, ela poderá ser lembrada no máximo como uma jurada velha, feiosa e ranzinza do programa de calouros de Silvio Santos. Contudo, qualquer pessoa que faça uma incursão pelas raízes da MPB vai se deparar com uma mulher muito à frente de seu tempo, que freqüentava o meio musical machista da época com a cara e a coragem, seja nas rádios ou nos botequins, e que foi uma das primeiras cantoras da MPB a obter sucesso em disco em meados da década de 30. Uma voz brejeira, que com o passar dos anos foi ficando cada vez mais fanhosa. Apesar do humor ácido, como uma Ângela Ro Ro ou uma Nana Caymmi da época, Aracy usava seu outro lado ao cantar: normalmente suave e dolente, da mesma forma que suas sucessoras. Na atual coletânea, os fonogramas da Continental, onde gravou boa parte de sua obra, dos anos 30 aos 60, voltam à tona nos permitindo um mergulho numa época em que a interpretação e o timbre personalizado de um cantor eram valorizados. O Samba em Pessoa, como foi apelidada pelo locutor César Ladeira, canta nesse CD várias pérolas de Noel Rosa, como não poderia de ser, já que disputava com Marília Batista o título de preferida do compositor. São elas: Feitiço da Vila, O X do problema, Três Apitos, Último Desejo e Fita Amarela. Mas há muitas outras grandes interpretações de autores diversos, como no clássico (Ai, Ai, Meu Deus) Tenha Pena de Mim, de Cyro de Souza e Babahú, e a indefectível Camisa Amarela, de Ary Barroso, uma das melhores histórias contadas em forma de samba, e uma das gravações mais antológicas da MPB. Também no CD estão sambas pouco conhecidos de Lamartine Babo, A Tua Vida É um Segredo ("É um romance e tem enredo"), em clima de gafieira, com direito à Orquestra de Severino Araújo, e Haroldo Barbosa, no divertido Não se Aprende na Escola, ambos absolutamente adoráveis em sua voz. Mas não se espante se encontrá-la também entoando a contemplativa Quem Vem pra Beira do Mar, de Dorival Caymmi, ou os versos boêmios de Vinicius de Moraes, musicados por Antônio Maria (Quando Tu Passas por Mim) e Adoniran Barbosa (Bom Dia Tristeza), bem no clima boêmio de Copacabana dos anos 50. Finalmente, a tropicalista A Voz do Morto, presenteada a ela por Caetano Veloso em 1968, fecha o ciclo das grades gravações de Aracy na qual finalmente seu temperamento se confunde com o próprio teor do gênero que a celebrizou – o samba: "Ninguém me salva/ Ninguém me engana/ Eu sou alegre/ Eu sou contente/ Eu sou cigana/ Eu sou terrível/ Eu sou o samba".
(Rodrigo Faour)
Faixas