ENTRE SEUS RINS

Vinte anos depois, o Ira! ainda está por aí, mais velho, mais sábio e - paradoxalmente - ainda com seu caráter juvenil, marca registrada da banda, intacto. Entre Seus Rins é um disco que comprova essa complexidade no perfil do quarteto. Ao mesmo tempo em que reflete (no som, nas letras, na própria postura do grupo) todas as mudanças enfrentadas ao longo dos anos, traz também - numa carga ainda maior que nos discos recentes - reverentes acenos ao passado. Só que não se trata de saudosismo, e sim da compreensão da própria alma do grupo. Sem desprezar suas características fundamentais, e ainda assim olhando para o futuro, o Ira! encontra-se hoje num patamar mais digno que muitos remanescentes de sua geração. Mais: soa inequivocamente honesto.

A antiga e eterna fixação nos anos 60, por exemplo, é resolvida mais uma vez em composições caprichadas de Edgard Scandurra como O Tempo (uma balada), Um Homem Só (esta mais pesada, com ecos do punk rock do The Jam, paixão de Edgard e mesmo no cover de Homem de Neanderthal, de Frank Jorge. Pura juvenília também se encontra em boa parte das letras (quase todas também de Edgard). O grupo continua tratando de romance - na faixa-título -, solidão (Superficial Como um Espinho) e questões existenciais (A Vida por um Fio, Para Ser Humano) com a mesma impávida certeza adolescente. Mas desconcerta, como nos versos de Um Homem Só ("Sonha com biquinis / Com Isabella Rossellini / Mas é um homem só / que não conhece a paixão / Suas namoradas são suas mãos"). Sonicamente, o quarteto bate a cabeça para sua própria história, refazendo Farto do Rock'n'roll, de 1988, em O Bom e Velho Rock'n'roll - outro diálogo esperto com as influências eletrônicas de Scandurra, que contaminam a faixa-título e também Para Ser Humano. O Ira! de sempre está aqui, convivendo com o Ira! que persegue o amanhã. Isso é mais do que o suficiente. (Marco Antonio Barbosa)