ESTAMOS ADORANDO TOKIO

Numa espécie de world music pelo avesso, o Karnak remexe todo tipo de sotaque em seu caldeirão global sempre temperado por humor sarcástico e uma eloqüência instrumental linha Frank Zappa. Logo de cara, a Abertura Russa (parceria do líder e guitarrista André Abujamra com Paulinho Moska) explora os clichês vocais grandiloqüentes do ramo numa versão disco incluindo uma falsa balalaica (bandolim brasileiro preparado). Estamos Adorando Tóquio, vá entender, mergulha na rumba cubana num espanhol sacolejado por sopros e uma lista telefônica de (falsos) elogios, “me gusta Quebec/ me gusta Jamaica/ me gusta Los Andes/ me gusta Barretos/ me gusta Peru”, etc, etc. Um certo “acordeão búlgaro” palmilha as platitudes da agalopadinha Momuntuera (“a gente não odeia quem a gente não ama”). O funk Aliens in L.A., do líder e principal compositor do Karnak, André Abujamra, questiona em inglês, “eu não entendo/ porque você matou seu irmão/ porque você não beija sua mãe/ porque você não gosta de pizza”. E assim por diante. O épico brega Nuvem Passageira, de Hermes de Aquino, ganha uma inacreditável versão metaleira. O funk/reggae We Need Nothing mescla inglês com chicano, de camelô para turista. A babel de línguas estranhas, cenários exóticos e combinações sonoras heterodoxas do disco é incessante nas faixas em moto contínuo. O requinte dos detalhes bate de frente com o escracho da postura punkiada do grupo (mais Marcos Bowie, trompete, Hugo Hori, sax e flauta, Eduardo Cabello, guitarra, Sérgio Bartolo, baixo, e Kuki Stolarski, bateria) como em Mediocritas: “Ninguém quer te ver contente/ todo mundo quer que você quebre os dentes”. Ou no ponto de vista dos animais encarcerados em Zoo: “Tira os bichos do zoo/ põe o homem na jaula/ põe o homem nu”. Mesmo identificando antecedentes como o Joelho de Porco, Premeditando o Breque ou o Língua de Trapo, o Karnak, no terceiro disco, já criou idioma próprio. E jogou o dicionário fora.(Tárik de Souza)