EU, CAUSA E EFEITO

Fênix veio para causar estranheza na MPB. Cantor de timbre, digamos, especialíssimo - agudo, quase um castratti renascentista, mas ainda assim obtido sem esforço algum - o pernambucano pode acabar impressionando mais pelo alcance de sua voz do que pelas invenções sonoras que engendra em seu CD de estréia. Seria injusto, entretanto, que se resumisse o cantor e compositor apenas a uma garganta privilegiada, ou mesmo - como alguns jornalistas já sugeriram - a um mero acólito da androginia musical de Ney Matogrosso, influência confessa de Fênix e participante do disco. (Ainda assim, é impossível escapar à alusão: justamente na faixa que divide com Ney, Fim de Mundo, Fênix canta: "Mãe vê se explica pra eles / Tudo aquilo que você me ensinou".) Se for possível escapar ao espanto que causa sua voz, pode-se notar em Eu, Causa e Efeito um artista com muita disposição de imprimir sua marca pessoal, fundindo inovação e tradicionalismo. Às vezes com mais, às vezes com menos êxito, a somatória final é quase sempre bem interessante.

Apesar de também compor, Fênix preferiu dar ênfase ao seu lado intérprete no disco, buscando ângulos inusitados em canções bem consagradas. Caso de Serrado, de Djavan, que virou um sambão com o toque pós-modernista de Otto. Ou de Avohai, de Zé Ramalho, que ganhou arranjo quase camerístico, com cello, piano e uma suave percussão; um registro que se repete na versão de Mercy Street (Peter Gabriel), com participação de Naná Vasconcellos. Apesar de malhada, Qui Nem Jiló ganha novo fôlego, baseado na delicadeza do arranjo e da interpretação "desconstrutivista" de Fênix. Novos tons de sutileza sobrevêm na delicada Flores, inédita de Zeca Baleiro, só com voz e violão (assim como Cada Qual, outra bela criação de Zeca), e na doce faixa-título. Como compositor, Fênix obtém seu melhor momento na interessante síntese de World - letra em inglês, harmonia de sabor árabe e um arranjo que incorpora um piano imponente ao tambores do Maracatu Nação Pernambuco. (Marco Antonio Barbosa)