EU SOU ASSIM

Com a garra habitual na voz e nos temas que aborda em seus sambas, Leci Brandão lança seu primeiro álbum ao vivo, Eu Sou Assim. Depois de uma vida inteira relegada a segundo plano pelas gravadoras, Leci finalmente vem ganhando tratamento de respeito desde que assinou com a Trama no ano passado. Ainda não foi agora que gravou seu disco definitivo, mas o CD tem bons momentos. As três primeiras faixas são com sambas famosos, cantados em forma de pot-pourris empolgantes. O primeiro só com músicas de Martinho da Vila, e dois com sucessos de Leci dos anos 80 da sambista como Eu Só Quero te Namorar e Papai Vadiou. Depois vem o sambão Zé do Caroço ("Está nascendo um novo líder no Morro do Pau da Bandeira/ E na hora que a televisão brasileira distrai toda gente com a sua novela/ É que o Zé põe a boca no mundo (...) Ele quer ver o bem da favela"), também da safra oitentista. No mesmo clima engajado, ela canta o drama dos meninos de rua em outro medley, com Menor Abandonado e a comovente Deixa, Deixa ("Deixa ele escrever, deixa ele votar, deixa discursar /É melhor do que ele sacar de uma arma pra nos matar") – um de seus sambas mais bonitos, ainda que a versão original de 85 seja ainda mais pungente. O problema é que há meia dúzia de faixas no miolo do CD que não estão à altura de um disco que celebra os 25 anos de carreira da sambista, como Jeito de Amar, Lua Diamante, Sabor Açaí e Você Pode Ceder. Com a exceção de Fogueira de uma Paixão (Luiz Carlos da Vila/ Arlindo Cruz/ Acyr Marques), de bela melodia (que aparece em duas versões no disco), os demais sambas românticos são apenas corretos. Se adequariam melhor a um disco de estúdio do que a um álbum comemorativo e ao vivo. O sucesso Valeu Demais, do Art Popular, faixa de trabalho do álbum, também não supera a ótima regravação de Alcione, realizada há três anos. O CD se encerra com a indefectível Isso É Fundo de Quintal, seguida de um medley (mais um!) de sambas-reggae de melodia previsível (Olodum Força Divina e Deus do Fogo da Justiça) e um ponto de candomblé, Saudação a Ossain – uma tradição nos discos da sambista dos últimos 15 anos. Ao final da audição, confirmam-se o talento e o estilo muito pessoais de Leci, mas sente-se que ela perdeu a chance de gravar um álbum antológico, clássico, com suas canções mais representativas chamando a atenção para tudo que ela já fez de bom em seu jubileu de prata. Contudo, ainda está em tempo. Quem sabe até um Acústico MTV? (Rodrigo Faour)