FALANDO DE AMOR
Alaíde Costa (2000)
Crítica
Cotação:
Dois modestos 78 rotações gravados em 1957 sem grande repercussão chamaram a atenção de um ouvido musical que nunca foi normal para os dotes singulares da precoce Alaíde Costa. O observador, um certo João Gilberto, procurou atraí-la para um movimento que nascia, a bossa nova. A cantora estreou em disco no hoje raro Alaíde Canta Suavemente, de 1959. Essa impecável intérprete de mais de 40 anos de carreira não abandonou a ternura vocal de quem pousa a voz nas sílabas como uma aterrissagem de ave. Não se engane com tal delicadeza: a voz afinada em cristais também crava garras como na Mentira de Amor (Lourival Faissal/ Gustavo de Carvalho), cicuta em pó da polêmica musical entre Herivelto Martins e a ex-mulher Dalva de Oliveira. Absinto, de Fátima Guedes destila veneno a conta-gotas: "hoje a coisa mais firme que creio/ é que eu te odeio (...)/ eu tenho medo do que será de mim". Também em Contradição (Elton Medeiros/ Paulo Cesar Pinheiro) a barra pesa: "Quem errou/ já sabe que as penas do amor são cruéis". Mas a heráldica Alaíde com seu porte de camafeu está longe do protótipo da cantora de fossa. Com a mesma perícia de bisturi vocal, ela encara um samba típico de Paulinho da Viola (Tudo Se Transformou), uma pré-bossa do violonista Garoto (Amoroso, com Luiz Bittencourt), um samba-choro de Tom Jobim (Falando de Amor) e até mesmo uma toada sertaneja do violonista João Pernambuco (o do Luar do Sertão) letrada por Hermínio Bello de Carvalho nos conformes caipiras dos "arrenego", "oio", "vosmicê" e "matutando". Acompanhada na maior parte do tempo só por violão (Toninho do Carmo) ou piano (André Dequech), e eventuais baixo (Kzam Gama) e bateria (Luiz Augusto Cavanni), Alaíde mostra que uma divindade do canto pode ser ao mesmo tempo contida e devastadora.
(Tárik de Souza)
Faixas
8
Estrada do sertão