LETÍCIA COURA CANTA BORIS VIAN

Letícia Coura (2001)

2001
Crítica

Cotação:

Não é só por apresentar ao público brasileiro as canções do compositor e poeta francês Boris Vian (1920-1959), que Letícia Coura merece aplausos. Valendo-se de sua experiência como atriz, a cantora mineira encontrou o ponto certo para traduzir a visão satírica e sofisticada do autor, que convivia em seu círculo de amizades com intelectuais do quilate de Jean-Paul Sartre e Jean Cocteau. Essa sintonia fina com a mordacidade e o sarcasmo de Vian é evidente nas oito versões que Letícia escreveu para o disco. Sem abrir mão do sabor original, Letícia conseguiu temperar as canções com referências atuais e locais, que as tornam mais deliciosas ainda. Um bom exemplo está na hilariante Balada Triste do Progresso (de Vian e Alain Goraguer), que abre o disco com um ácido retrato do casamento ("ah, benzinho, me dá um beijinho e eu te darei / uma geladeira, uma batedeira / uma nhoqueira e um aparelho de fondue / uma cafeteira, uma assadeira / uma frigideira e um disco do Cauby").

Os arranjos para piano de Beba Zanettini criam a moldura apropriada, em estilo de cabaré, para as interpretações de Letícia. Ela capta com muito humor a ironia de Sou Esnobe (parceria de Vian e Jimmy Walter), que não poderia soar mais contemporânea ("nem preciso mais ser chic / o que me importa é ser vip / e quando saio na IstoÉ Gente / não há quem me agüente"). Provoca risos com a nova versão de Bate em Mim, já gravada em seu disco de estréia, que trata com sarcasmo a mesma temática do atual (e paupérrimo) pseudo-funk Tapinha. "Bate em mim, Johnny, Johnny, Johnny / me manda pro céu, zum! / bate em mim, Johnny, Johnny, Johnny / eu gosto assim, quando faz bum!"), debocha a letra.

Não faltou também uma sátira demolidora da violência policial, expressa em Os Açougueiros Felizes (outra de Vian e Walter), que Letícia fez questão de contextualizar ("Esse é o tango da Polícia Militar / grande orgulho do povo brasileiro / esse é o tango da violência salutar / esse é o tango-homenagem ao coveiro"). Outra boa sacada é Ah, Se Eu Tivesse Um Real... (de Vian e Schonbergher), a faixa final, tratada como uma festiva marchinha carnavalesca, que traz no coro as vozes das cantoras Beatriz Azevedo e Adriana Capparelli, entre outras. O único defeito do CD Letícia Coura Canta Boris Vian é a sua curtíssima duração: apenas 28 minutos de humor e escracho, que deixam o ouvinte querendo mais.(Carlos Calado)
Faixas
Ouvir todas em sequência
1 Balada triste do progresso (As artes domésticas) Ouvir
(Boris Vian, Alain Goraguer, Vrs. Letícia Coura)
3 Musique Mécanique Ouvir
(Boris Vian, Vrs. Letícia Coura, André Popp)
4 Je bois Ouvir
(Boris Vian, Alain Goraguer)
7 Os açougueiros felizes Ouvir
(Boris Vian, Vrs. Letícia Coura, Jimmy Walter)
8 O pequeno comércio Ouvir
(Boris Vian, Alain Goraguer, Vrs. Letícia Coura)
9 Ah, se eu tivesse um real!... Ouvir
(Boris Vian, Vrs. Letícia Coura, J. Schonberger)
 
LETÍCIA COURA CANTA BORIS VIAN