MÁQUINA DE ESCREVER MÚSICA
Moreno Veloso (2000)
Crítica
Cotação:
Moreno Veloso não trai seu DNA. Impresso nas emissões mais agudas próximas do falsete, em algumas faixas ecoa a voz paterna, obviamente mais jovial. O compositor/performer/músico também tem parentesco com dois Caetanos: o vanguardista liberado para a incorporação de ruídos e microfonias e o da voz e violão casados, herança de João Gilberto. Ao mesmo tempo, à bordo do trio + 2, completado por vários convidados, de João Donato ao próprio Caetano (violão numa das faixas), Moreno exibe nessa estréia autonomia e uma leveza de quem recusa o fardo da descendência sem renegá-la. Sua abordagem do afoxé baiano em Deusa do Amor, pescada no repertório do Olodum, parte de um intimismo bossa nova (cadenciado por lixas) para uma progressiva injeção de dissonâncias: pianinho, pá de ferro (!), coquinho e outros tilintares. Enquanto Isso (parceria de Moreno e Quito Ribeiro), avança a intervalos de violão com percussão pontuada no contraritmo e o tipo de letra com pitadas filosóficas/desencanadas que povoa todo o disco: "por ter a saída escondida/ a aventura ganha sabor". No funk Arrivederci há traços de Jorge Ben Jor no refrão adulado por coro e percussão. E o bolero lounge Para Xó tem o balanço indelével de João Donato no piano Rhodes. Também funkiada, Assim, com zumbido de sintetizadores e arestas sonoras impensáveis na programação careta das FMs, engata uma citação irônica de Essa É Pra Tocar no Rádio de Gilberto Gil. Esfinge, de Djavan ganha releitura à base de voz e violão de Moreno, que acompanhado pelo pai no instrumento recria o samba sincopado Só Vendo que Beleza (também conhecido por Casinha na Marambaia), sucesso de Carmen Costa em 1942. Rico em insinuações, sutilezas nos timbres (até o Theremim russo descoberto pelos Mutantes foi ressuscitado) e promessas poéticas, o disco fecha com I’m Wishing, da abertura do filme Branca de Neve, de Walt Disney com versão em português de Aloísio de Oliveira. No contracanto entre Moreno e Daniel (neto de Tom) Jobim os dois ícones da MPB reafirmam-se como dinastia.(Tárik de Souza)
Faixas