MINHA ALMA CANTA

À medida que ia gravando faixas avulsas para os songbooks da Lumiar do produtor Almir Chediak, o cantor João Nogueira (1941-2000) amadurecia a idéia de agrupá-las num CD. Quando o sambista do Meier morreu, em junho passado, totalizava 12 gravações. Almir adicionou duas outras registradas para a série Letra & Música de sua empresa, em que João interpretava Chico Buarque e a conta fechou. Eis o CD com tributos a alguns dos maiores autores da MPB na voz de um dos melhores cantores do samba nos quesitos timbre, afinação e, principalmente, divisão. No fraseado, Nogueira mescla a malícia dos sincopados Geraldo Pereira e Cyro Monteiro com a revolução da tônica instituída por João Gilberto. A excelência do disco (que compensa sua fragmentação) completa-se no revezamento de um elenco instrumental de primeira. Senão, ouçam: Cristóvão Bastos, Leandro Braga e o Azymuth José Roberto Bertrami (pianos), Marco Pereira, Neco, Jorge Simas, Lula Galvão, João Lyra (violões), Adriano Giffoni, Jorge Helder, Luis Alves, Ricardo do Canto (contrabaixos), Robertinho Silva, Paulo Braga (baterias), Mingo Araujo, Jorginho, Zero, Ovidio (percussões) e mais convivas como Vittor Santos (trombone), Carlos Malta (sax barítono), Paulinho Trompete (idem), Zé Carlos (sax), Luciana Rabello (cavaquinho) e Pedro Amorim (bandolim). Além deles, contracenam com Nogueira no gogó, Luis Melodia acrescentando um acento bluesy a Feitio de Oração (Noel Rosa/ Vadico) e Sérgio Ricardo no samba canção dialogado Teresa da Praia , primeiro sucesso de Tom Jobim (em parceria com Billy Blanco), de 1954. João faz o papel de Dick Farney e Sérgio fica sendo o Lúcio Alves na saborosa reconstituição.

Embora brinque nas onze como intérprete, incluindo no cardápio canções mais lentas como Demais (Jobim/Aloísio de Oliveira), clássico na voz abrasiva de Maysa, é nas músicas de dolência casada ao picotado rítmico que ele não deixa pra ninguém. Anotem: Samba do Grande Amor, Homenagem ao Malandro e Feijoada Completa (Chico Buarque), Nego Maluco (Edu Lobo/ Chico Buarque), Lá Vem a Baiana e Vestido de Bolero (Dorival Caymmi) e Teleco-Teco (letra e música de Vinicius de Moraes). Isso sem falar, claro, em sua identificação epitelial com o Noel Rosa de Não Tem Tradução e Conversa de Botequim. Aí já é uma covardia tão grande quanto a morte precoce deste indispensável João Nogueira.(Tárik de Souza)