NASCI PRA SONHAR E CANTAR
Dona Ivone Lara (2001)
Crítica
Cotação:
Um novo disco de Dona Ivone Lara - o sétimo de sua carreira - é razão mais do que suficiente para que o mundo do samba (e da música popular em geral) se confraternize. Nasci Pra Sonhar e Cantar, produzido pela Lusáfrica, a gravadora que projetou Cesária Évora para o mundo, legitima qualquer celebração. Foi preciso que um empresário português, José da Silva, se esforçasse em vendê-la mundialmente como uma espécie de Cesária Évora brasileira, para que a autora de Alguém Me Avisou tivesse a oportunidade de gravar - depois de quinze anos - um disco de inéditas, sem o bedelho inoportuno de executivos que parecem gostar muito de dinheiro e nada de música. À vontade, sem maiores pressões dos departamentos de marketing das gravadoras, Dona Ivone pôde selecionar dez entre dezenas de músicas que ela continua a compor, com novos e antigos parceiros. Dispensou a entidade convidados especiais para dividir os vocais, irresistivelmente potentes, aos 79 anos. Teve a liberdade ainda de escolher o produtor: João de Aquino, que carregou no sotaque percussivo, sem "empagodar". O resultado, mesmo que nem sempre as composições inéditas cheguem ao nível das quatro regravações do disco (Axé de Ianga, Sereia Guiomar, Tendência e a faixa-título), é alentador.
Dentre os parceiros, Délcio Carvalho, é o mais constante. Cinco faixas levam a assinatura da dupla: Nasci Pra Sonhar e Cantar (originalmente lançada no álbum Alegria Minha Gente, 1982), Sereia Guiomar (de Sorriso negro, 1981) e as novas Canção de Felicidade, Chorei, Confesso e Agora. A faixa-título, com destaque para o acordeon Piazzoliano de Chiquinho Chagas, a flauta/clarinete de Dirceu Leite e o violão de João de Aquino, é a mais lírica do disco, talvez a mais confessional de toda a obra de D. Ivone. Canção da Felicidade mostra que Délcio e Dona Ivone, juntos, ainda são capazes de compor um bom refrão, popular, a quilômetros do popularesco. A dupla com Jorge Aragão rendeu as antológicas Enredo do Meu Samba e Tendência. Esta, conhecida de qualquer freqüentador de roda de samba (da boa) e lançada em Sorriso Negro, reaparece como um arquétipo romântico da contraditória relação entre artistas e gravadoras. Mutuamente mordem-se: “Não me comove o pranto de quem é ruim”. E assopram: “Então você tem que mudar. Se precisar, pode me procurar”. Ao lado dos novos parceiros, Dona Ivone percorre diferentes gerações de sambistas. De Nelson Sargento, com quem compôs a inspirada Nas Asas da Canção, ao novato Bruno Castro, cavaquinista de seu grupo, co-autor da transpirada Um Grande Sonho, passando pelos "pagodeiros do bem" Sombrinha (Essência de Um Grande Amor), e Paulinho Mocidade, no feijão-com-arroz pouco temperado de Poeta Sonhador.
Dona Ivone Lara, sozinha, congrega Rio e Bahia, desde que o samba é terreiro. Ela É a Rainha e Axé de Ianga incorporam a África-Brasil até a última camada de pele dos atabaques. Se Deus Está Te Castigando poderia servir como recado a roqueiros convertidos em evangélicos, Canto do Meu Viver oferece a redenção: “Quem nunca se perdeu / só passou pela vida e não viveu”. Por sorte, o contrato com a gravadora européia prevê mais dois discos. E não é que Dona Ivone está a cara da Cesária nas fotos do encarte?(Julio Moura)
Dentre os parceiros, Délcio Carvalho, é o mais constante. Cinco faixas levam a assinatura da dupla: Nasci Pra Sonhar e Cantar (originalmente lançada no álbum Alegria Minha Gente, 1982), Sereia Guiomar (de Sorriso negro, 1981) e as novas Canção de Felicidade, Chorei, Confesso e Agora. A faixa-título, com destaque para o acordeon Piazzoliano de Chiquinho Chagas, a flauta/clarinete de Dirceu Leite e o violão de João de Aquino, é a mais lírica do disco, talvez a mais confessional de toda a obra de D. Ivone. Canção da Felicidade mostra que Délcio e Dona Ivone, juntos, ainda são capazes de compor um bom refrão, popular, a quilômetros do popularesco. A dupla com Jorge Aragão rendeu as antológicas Enredo do Meu Samba e Tendência. Esta, conhecida de qualquer freqüentador de roda de samba (da boa) e lançada em Sorriso Negro, reaparece como um arquétipo romântico da contraditória relação entre artistas e gravadoras. Mutuamente mordem-se: “Não me comove o pranto de quem é ruim”. E assopram: “Então você tem que mudar. Se precisar, pode me procurar”. Ao lado dos novos parceiros, Dona Ivone percorre diferentes gerações de sambistas. De Nelson Sargento, com quem compôs a inspirada Nas Asas da Canção, ao novato Bruno Castro, cavaquinista de seu grupo, co-autor da transpirada Um Grande Sonho, passando pelos "pagodeiros do bem" Sombrinha (Essência de Um Grande Amor), e Paulinho Mocidade, no feijão-com-arroz pouco temperado de Poeta Sonhador.
Dona Ivone Lara, sozinha, congrega Rio e Bahia, desde que o samba é terreiro. Ela É a Rainha e Axé de Ianga incorporam a África-Brasil até a última camada de pele dos atabaques. Se Deus Está Te Castigando poderia servir como recado a roqueiros convertidos em evangélicos, Canto do Meu Viver oferece a redenção: “Quem nunca se perdeu / só passou pela vida e não viveu”. Por sorte, o contrato com a gravadora européia prevê mais dois discos. E não é que Dona Ivone está a cara da Cesária nas fotos do encarte?(Julio Moura)
Faixas