O CORPO
Arnaldo Antunes (2000)
2000
Grupo Corpo
GC 005
Crítica
Cotação:
Há espaço para a vanguarda nessa era em que a música popular está sendo gerida pelo departamento de marketing estratégico das gravadoras? Arnaldo Antunes teve a coragem de pular fora em pleno auge do grupo de rock Titãs para correr o risco de encarar essa. Sua carreira solo não desaguou em grandes vendagens, mas escapou de muitos micos que os ex-colegas tiveram que pagar e ainda por cima atingiu cumes artísticos como o desta trilha para o balé do grupo mineiro Corpo. Com sua voz gutural naturalmente reverberada nos graves, ele abre o disco (e a trilha) brandindo alternadamente as palavras "pé" e "mão" até criar uma ambientação ritmica que acaba se cristalizando com a entrada de outras expressões como numa linha de montagem, cadenciada a seguir pela percussão. Calcado no minimalismo, na economia de meios e na provocação das vozes nuas e samplers manipulados por Chico Neves num ofício de "corte e costura", O Corpo mostra que um esqueleto bem articulado pode falar mais que mil naipes orquestrais. Em progressão de sinfonia de ruídos dividida em oito faixas numeradas como Momentos, a trilha conta ainda com a voz e o vocalise graves da cantora Mônica Salmaso, eventuais suturas dos violões de Arnaldo, Alê Siqueira e do ex-Grupo Rumo Paulo Tatit (também no baixo), guitarra esgarçante de Edgard Ira! Scandurra, percussão de Guilherme Kastrup, teclados de Zaba Moreau e voz de Saadet Turkoz. A engenharia de vozes, instrumentos e ruídos atravessa diversos esboços de ritmos e gêneros sem se filiar a qualquer deles. O Momento VIII do final tem batucada de samba, mas o clima de superposição de palavras chicoteadas lembra o vanguardista desbravador Walter Franco de Cabeça, apoteose de vaias e fracasso de vendas em 1972, um marco de audácia que o futuro não esqueceu.
(Tárik de Souza)
Faixas