O SAMBA É ASSIM COM ARY CORDOVIL

Ary Cordovil (2000)

2000
Intercd Records
Crítica

Cotação:


Mistérios da fama. O cantor carioca Nicanor de Paula Ribeiro Filho (1923-1981), que usava o pseudônimo de Ary Cordovil, esteve à frente de pelo menos dois grandes estouros de vendagem: em 1966 com o samba Tristeza (Haroldo Lobo/ Niltinho), que ultrapassou as fronteiras nacionais e foi repercutir na Europa, e no ano seguinte com a cantiga Acorda Maria Bonita ("levanta e vem tomar o café/ que o dia já vem raiando e a polícia/ já está de pé"), atribuída ao cangaceiro Volta Sêca. Ary começou na música com uma composição gravada pela Dama da Central Aracy de Almeida, em 1944 (Olha Ela Aí, Waldemar, com Gil Lima). Cinco anos depois, Jorge Veiga fazia sucesso com outra sua, Fui Um Louco. O cantor ainda emplacou no carnaval de 1964 a marchinha Pistoleira (Haroldo Lobo/ Milton de Oliveira). No entanto, pouco antes de morrer, reclamava já ter sido esquecido. Um pouco de sua memória pode ser repescada neste CD que não traz nenhum dos sucessos deste ex-PE (Polícia Especial) do antigo DF que trocou a farda pela boemia e a malandragem do eixo praça Tiradentes-Lapa-Vila Isabel. Do alto de seu 1,80 metro cantava de camisa aberta ao peito e medalhão de São Jorge, conjugando timbre e fraseado que o situariam entre Jorge Veiga e Geraldo Pereira. O repertório do disco gravado em 1957 é todo de pérolas obscuras (e autores idem, à exceção quase única de Monsueto Menezes), porém originais e saborosas, a começar pela mordaz Formiga ("que quer se perder cria asas/ (...)porque você todo dia vai ver sua tia?/ um dia alguém desconfia"), que abre o disco.

Tragédia no Circo (Amado Régis/ Jarbas Assad) tem seu lado felliniano ("na terceira gargalhada/ pratiquei um crime em cena"), enquanto Chega, repleta de breques descola uma maneira diferente de chutar a ex-amada: "entre nós não há mais nada/ você não é mais o estouro da boiada". Alternando flauta, trombone ou sax no suporte do suingue, o acompanhamento (não identificado na ficha técnica) tem até vibrafone e guitarra, esta em destaque na inacreditável Dança Alucinante (Helio Nascimento/ Gil Lima), mistura de rock, samba e baião, que prenuncia o seguinte: "chegou a nova geração do rock’n’roll/ Iaiá segura o bumbo pro samba não parar". E documenta o lado fashion da nova febre: "mocinho de blusinha e de topete/ calcinha Far-West querendo desmaiar/ brotinho cheio de perequeté/ dançando de balé/ de pernas para o ar". Também mistura o samba com o baião o estranho Giro Pelo Norte, esquecida obra de Monsueto: "num giro que eu dei pelo norte/ estive na mão da morte/ saltei no Pará tomei tacacá, bebi açai/ tomei cachaça, quase morrí", manda a letra entre outras farpas nordestinas. Ary ainda exercita sua perícia na ginga de sambas quebrados como Neguinha (Waldemar Tojal/ Ayrão Reis), Tava Gostoso (Alberto de Jesus/ Sebastião Nunes) e Engano ( Zé do Violão/ Plínio Gesta). Seu fraseado cheio de chinfra empolgou um diretor da então americana gravadora CBS (a atual japonesa Sony) que lançou nos EUA o LP Ary Cordovil em Ritmo Contagiante, em 1967. Mas não adiantou, ele acabou despontando para um anonimato rompido por este solitário lançamento. Vale a pena redescobrir este elo perdido do sincopado.

(Tárik de Souza)
Faixas
Ouvir todas em sequência
3 Tragédia no circo Ouvir
(Amado Regis, Jarbas Assad)
4 Indiferença Ouvir
(Gil Lima, Miguel Lima)
5 Giro pelo norte Ouvir
(Monsueto Menezes)
7 Dança alucinante Ouvir
(Hélio Nascimento, Gil Lima)
8 Neguinha Ouvir
(Waldemar Tojal, Ayrão Reis)
11 Meu aniversário Ouvir
(Nicolau Durso, Raymundo Olavo)
 
O SAMBA É ASSIM COM ARY CORDOVIL