ULTRAPÁSSARO

O álbum de estréia de Dante Ozzetti prova que o tempo equilibra todos os extremos. Diretamente associado à (outrora maldita) vanguarda paulista, nem que seja pela força do sobrenome - sua irmã Ná é uma das grandes vozes daquela geração - Dante não quer chocar nem radicalizar. Ultrapássaro não traz o ranço (criado por outros) vanguardeiro, e só se pretende ser um disco de MPB moderna (mas fundamentada no passado) e refinada. Justamente a proposta de toda a vanguarda paulista, ainda que mal-digerida e acusada de "difícil". Em pleno ano 2001, vemos que o talento de Dante está mais para a perenidade do que para a inovação desmedida. Cercado por arranjos ricos - concebidos por ele mesmo - e contando com a ajuda providencial da irmã e da cantora Virgínia Rosa para ajudar nos vocais (além do sexteto Vésper), Dante prova que não há "dificuldade" em se fazer música boa. E os vanguardeiros Luiz Tatit, Zé Miguel Wisnik e Itamar Assumpção, parceiros em boa parte das faixas do disco, dão o referendo de sua geração ao irmão de Ná.

O samba parece ser a base de lançamento para as invenções de Tatit. O compositor escora-se na batucada para fazer algumas das melhores canções do disco. Como a ótima Dentro e Fora, com um dueto/duelo de Ná e Virgínia Rosa, cantoras de timbre e estilo parecidos - compondo uma textura vocal que se enquadra perfeitamente no arranjo. Igualmente sacolejantes são Para Dois e Vão, com ambientações instrumentais ligeiramente nostálgicas. O samba volta a ser referência na instrumental Nosso Amor. Dante canta pouco no álbum, mas soa intérprete maduro em suas intervenções (Assim, Vou Voltar). Sincrético como compositor, junta melodia pop e influência caipira (na faixa-título), brinca com a bossa nova em A Tardinha - sem apelar aos clichês do estilo num samba de melodia e harmonia sofisticadas - e se arrisca no chorinho, com Os Passionais.(Marco Antonio Barbosa)