VILLA-LOBOS - CORAÇÃO POPULAR

Auto-intitulado índio de casaca, o erudito Heitor Villa-Lobos (1887-1959) nunca ficou confinado à torre de marfim de boa parte de seus colegas. Além de pesquisas folclóricas "in loco", Villa misturou-se aos chorões de seu tempo (Quincas Laranjeiras, Sátiro Bilhar, Anacleto de Medeiros, Irineu de Almeida) e a fundadores da MPB como o pianeiro Ernesto Nazareth e o poeta e trovador Catulo da Paixão Cearense. Em 1940, com o maestro americano Leopold Stokowski e o compositor Donga, registrou o histórico LP Native Brazilian Music abrindo um leque estético que abrigava das emboladas de Jararaca & Ratinho a pontos de umbanda na voz de João da Bahiana, sambas de Cartola e Zé da Zilda, maracatu de Pixinguinha e choro do clarinetista Luiz Americano. O resultado desse intercâmbio erudito/popular o transformou num farol para criadores básicos da MPB como Tom Jobim, Edu Lobo e Egberto Gismonti, para citar os mais óbvios. Daí a idéia do jobiniano Mario Adnet (violão, arranjos, direção musical e voz) de enfatizar o lado MPB contido na obra de Villa, auxiliado por alguns ases do lado de cá. Entre eles está outro declarado villalobiano, o compositor e violonista Guinga, que derrama sua maestria na recorrente valsa dissonante Realejo e em Estrela É Lua Nova (num registro bem agudo, terçando vozes com Adnet e a leve percussão de Marcos Suzano). E mais os ex-Boca Livres Zé Renato e Claudio Nucci (que voltou recentemente para o grupo) na rural Caboca Di Caxangá e no baião metronômico Desejo. Arranjador econômico, dedicado a sutilezas e liberalidades incluindo leves pinceladas jazzísticas (como no improviso do choro Na Paz do Outono), Adnet recorta com perícia (e entonação jobiniana) o lado pop de Villa (belíssimas Redondilha e Modinha). Peca apenas pelo desempenho vocal limitado, em contraste com a longa extensão da irmã Muíza Adnet. Nada que embace a pujança harmelódica do velho Villa. (Tárik de Souza)