<i>Brazilian Nuggets</i>: psicodelia verde e amarela
Ricardo Schott vasculha os subterrâneos do rock brasileiro dos anos 60 e vai muito além da Jovem Guarda
Ricardo Schott
16/05/2004
Há quem creia que a história do rock nacional tenha começado após 1982. Há quem retorne mais no tempo e inclua os Mutantes, Rita Lee, Raul Seixas e Erasmo Carlos nessa história. E há aqueles que vão mais além, garimpando verdadeiras pedras preciosas fora de catálogo nos materiais de grupos obscuros. Para essas pessoas, fazem sentido nomes como Youngsters (uma das primeiras encarnações da banda brasileira de soul-jazz Azymuth), Os Jovens, Bango, Megatons, Beat Boys, Os Brasas e vários outros. Isso sem falar em artistas ligados a Jovem Guarda, como Renato & Seus Blue Caps, Eduardo Araújo, Ronnie Von e o próprio Roberto Carlos.
Quem estiver a fim de desencavar algumas dessas pérolas já tem a solução no conhecido programa Soulseek, de compartilhamento de arquivos mp3. Está disponível no programa uma série de fonogramas desses e de vários outros artistas, lançados entre os anos 60 e 70. A "coletânea virtual", nunca lançada comercialmente (embora não fosse difícil imaginá-la lançada por um selo como o Baratos Afins) é conhecida pelo nome de Brazilian Nuggets - referência à famosa compilação de garage bands norte-americanas sessentistas, Nuggets. Contendo o equivalente a quatro CDs, a coletânea impressiona pela variedade. Várias músicas selecionadas compreendem o período de 1968 a 1972, quando foi firmado uma espécie de elo perdido entre a jovem guarda e a psicodelia. São dessa época músicas como Eu Não Volto Mais e Burro Cor-de-rosa, de Serguei (por sinal lado B de O Ouriço, seu único compacto lançado por uma grande gravadora, a Polydor), Impressões Digitais, da banda gaúcha Liverpool, e Que Bacana, de Suely & Os Kanticus - liderado pela cantora Suely Chagas, amiga de adolescência de Rita Lee.
Várias gravações chamam a atenção de cara, pelo seu caráter de ousadia para a época. Uma delas é Lindo sonho delirante, do soulman Fábio, parceiro e amigo de Tim Maia. A música, gravada com acompanhamento dos Fevers, era um soul que, ingenuamente, homenageava o LSD - o single, lançado pela RCA Victor em 1970, chegava a trazer a sigla na capa. O mesmo Fábio comparece com Em busca das canções perdidas, um assalto ao arranjo de Five O’Clock World, sucesso da banda sessentista The Vogues. Nem Sim, nem Não, música de 1971 de Eduardo Araújo, é um rock pesado e agitado, com participação do célebre guitarrista Lanny Gordin e da Orquestra Jovem do Maestro Peruzzi - os nomes "Lanny!" e "Peruzzi!" chegam a ser gritados pelo cantor durante a música. Lanny Gordin, aliás, tocou em dez entre dez das músicas escolhidas. Uma delas é Murituri, curioso soul psicodélico lançado nos anos 70 por ninguém menos que o ator e comediante Arnaud Rodrigues, com uma letra explicitamente lisérgica. A banda gaúcha Os Brasas (que tinha em sua formação os futuros samba-rockeiros Luís Vagner e Franco) aparece com a gozadora Pancho Lopez.
"São os registros mais interessantes que o rock brasileiro já produziu", diz o músico, estudante de História e zineiro Leonardo Bonfim. Atualmente colaborando para o site brasiliense Alucináticos, ele já foi responsável pelo zine Freakium e hoje realiza o Freakium Festival, que trouxe recentemente as bandas psicodélicas paulistas FuzzFaces e Skywalkers para shows no Rio. "Infelizmente a grande maioria das músicas foi lançada apenas em compactos e portanto, quase todas as bandas não possuem material suficiente para um disco completo", continua, destacando que as gravadoras têm se dedicado a relançamentos de soul, MPB e bossa-nova, mas esquecem dessa fase do rock brasileiro. "Acho que a melhor fase do rock nacional foi nos anos 60... Com a Jovem Guarda, Tropicália e as bandas de garagem espalhadas pelo país. Existem grandes pérolas ‘perdidas’ por aí como Os Brasas e Os Brazões só para citar algumas. A psicodelia sixtie brasileira tem um detalhe interessante que é a mistura com os ritmos locais. Isso é totalmente único e deixa os gringos malucos quando escutam, vide o estouro dos Mutantes lá fora", conta Leonardo, que chegou às músicas a partir da indicação de um amigo de Porto Alegre, mas já tinha ouvido falar delas ao visitar sites como o Senhor F e o Rato Laser. Pedro Maluf, estudante carioca que chegou a atacar de DJ em algumas edições do Freakium, tem suas preferidas: "Curto muito Os Brasas, Mutantes, Eduardo Araújo... A coletânea é muito boa", afirma. Já Leonardo, em termos de rock nacional dos anos 60 e 70, destaca trabalhos como o LP de 1968 de Ronnie Von e discos da banda Renato & Seus Blue Caps, como Especial, de 1968 e o álbum homõnimo de 1971.
Outras gravações interessantes são as do conjunto hard-rockeiro carioca Bango, que tinha em sua formação dois futuros diretores artísticos de gravadora, Max Pierre (Universal) e Aramis Barros (Som Livre). O grupo aparece com Inferno no Mundo e Motor Maravilha, assemelhadas aos Mutantes pós-1970 e encontráveis em seu único álbum, lançado em 1971 pelo pequeno selo Musidisc. Vale citar que o disco do Bango já foi redescoberto em vinil até fora do Brasil. Vanusa, musa loira da jovem guarda, aparece com Atômico Platônico e com o libelo anti-Vietnâ Mundo Colorido, gravado entre ruídos e risadas. A banda niteroiense Os Lobos (que teve em sua formação o cantor Dalto) aparece com várias faixas, entre elas um de seus raros sucessos, Fanny. A banda gravou um único disco, Miragem (Top Tape, 1971), jamais reeditado. Erasmo Carlos aparece com algmas músicas da fase Polydor e com outros sucessos de sua primeira fase discográfica, na RGE - como Para os Diabos com os Conselhos de Vocês.
A MPB bate ponto com duas gravações lisérgicas de Gal Costa, Cultura e Civilização (composta por Gilberto Gil) e Meu Nome É Gal (um presente de Roberto e Erasmo), sem falar no samba-choro psicodélico de 29 Beijos, dos Novos Baianos. O psico-soul aparece com o combo paulista Os Brazões, que revelou o funkeiro Miguel De Deus, em faixas como Módulo Lunar e Pega a Voga, Cabeludo, de Gilberto Gil. A compilação ainda tem gravações raras, como o single que o conjunto baileiro carioca The Pops gravou ao lado do ator Gracindo Junior, ou uma "unknown psychedelic track", excelente e pesada. E é possível encontrar várias faixas tiradas dos LPs psicodélicos que Ronnie Von lançou entre 1968 e 1970 pela Polydor, como Silvia 20 Horas Domingo e Pare de Sonhar com Estrelas Distantes.
Para quem se interessar pelas brazilian Nuggets é necessário primeiro baixar o programa p2p Soulseek - disponível na seção de Downloads do site www.slsknet.org. Depois, é só digitar "brazilian nuggets" no buscador e todo um mundo de obscuridades do rock nacional estará à sua disposição. Vale lembrar que tal expediente se tornaria inútil caso as gravadoras se interessassem em disponibilizar estes fonogramas em CDs remasterizados e com boas informações sobre os artistas e as faixas escolhidas. "Fora algumas exceções, parece que o rock'n'roll no Brasil é sempre deixado pra segundo plano. Afinal o brazilian way of life é com samba no pé e pandeiro na mão", conclui Leonardo Bonfim.
Quem estiver a fim de desencavar algumas dessas pérolas já tem a solução no conhecido programa Soulseek, de compartilhamento de arquivos mp3. Está disponível no programa uma série de fonogramas desses e de vários outros artistas, lançados entre os anos 60 e 70. A "coletânea virtual", nunca lançada comercialmente (embora não fosse difícil imaginá-la lançada por um selo como o Baratos Afins) é conhecida pelo nome de Brazilian Nuggets - referência à famosa compilação de garage bands norte-americanas sessentistas, Nuggets. Contendo o equivalente a quatro CDs, a coletânea impressiona pela variedade. Várias músicas selecionadas compreendem o período de 1968 a 1972, quando foi firmado uma espécie de elo perdido entre a jovem guarda e a psicodelia. São dessa época músicas como Eu Não Volto Mais e Burro Cor-de-rosa, de Serguei (por sinal lado B de O Ouriço, seu único compacto lançado por uma grande gravadora, a Polydor), Impressões Digitais, da banda gaúcha Liverpool, e Que Bacana, de Suely & Os Kanticus - liderado pela cantora Suely Chagas, amiga de adolescência de Rita Lee.
Várias gravações chamam a atenção de cara, pelo seu caráter de ousadia para a época. Uma delas é Lindo sonho delirante, do soulman Fábio, parceiro e amigo de Tim Maia. A música, gravada com acompanhamento dos Fevers, era um soul que, ingenuamente, homenageava o LSD - o single, lançado pela RCA Victor em 1970, chegava a trazer a sigla na capa. O mesmo Fábio comparece com Em busca das canções perdidas, um assalto ao arranjo de Five O’Clock World, sucesso da banda sessentista The Vogues. Nem Sim, nem Não, música de 1971 de Eduardo Araújo, é um rock pesado e agitado, com participação do célebre guitarrista Lanny Gordin e da Orquestra Jovem do Maestro Peruzzi - os nomes "Lanny!" e "Peruzzi!" chegam a ser gritados pelo cantor durante a música. Lanny Gordin, aliás, tocou em dez entre dez das músicas escolhidas. Uma delas é Murituri, curioso soul psicodélico lançado nos anos 70 por ninguém menos que o ator e comediante Arnaud Rodrigues, com uma letra explicitamente lisérgica. A banda gaúcha Os Brasas (que tinha em sua formação os futuros samba-rockeiros Luís Vagner e Franco) aparece com a gozadora Pancho Lopez.
"São os registros mais interessantes que o rock brasileiro já produziu", diz o músico, estudante de História e zineiro Leonardo Bonfim. Atualmente colaborando para o site brasiliense Alucináticos, ele já foi responsável pelo zine Freakium e hoje realiza o Freakium Festival, que trouxe recentemente as bandas psicodélicas paulistas FuzzFaces e Skywalkers para shows no Rio. "Infelizmente a grande maioria das músicas foi lançada apenas em compactos e portanto, quase todas as bandas não possuem material suficiente para um disco completo", continua, destacando que as gravadoras têm se dedicado a relançamentos de soul, MPB e bossa-nova, mas esquecem dessa fase do rock brasileiro. "Acho que a melhor fase do rock nacional foi nos anos 60... Com a Jovem Guarda, Tropicália e as bandas de garagem espalhadas pelo país. Existem grandes pérolas ‘perdidas’ por aí como Os Brasas e Os Brazões só para citar algumas. A psicodelia sixtie brasileira tem um detalhe interessante que é a mistura com os ritmos locais. Isso é totalmente único e deixa os gringos malucos quando escutam, vide o estouro dos Mutantes lá fora", conta Leonardo, que chegou às músicas a partir da indicação de um amigo de Porto Alegre, mas já tinha ouvido falar delas ao visitar sites como o Senhor F e o Rato Laser. Pedro Maluf, estudante carioca que chegou a atacar de DJ em algumas edições do Freakium, tem suas preferidas: "Curto muito Os Brasas, Mutantes, Eduardo Araújo... A coletânea é muito boa", afirma. Já Leonardo, em termos de rock nacional dos anos 60 e 70, destaca trabalhos como o LP de 1968 de Ronnie Von e discos da banda Renato & Seus Blue Caps, como Especial, de 1968 e o álbum homõnimo de 1971.
Outras gravações interessantes são as do conjunto hard-rockeiro carioca Bango, que tinha em sua formação dois futuros diretores artísticos de gravadora, Max Pierre (Universal) e Aramis Barros (Som Livre). O grupo aparece com Inferno no Mundo e Motor Maravilha, assemelhadas aos Mutantes pós-1970 e encontráveis em seu único álbum, lançado em 1971 pelo pequeno selo Musidisc. Vale citar que o disco do Bango já foi redescoberto em vinil até fora do Brasil. Vanusa, musa loira da jovem guarda, aparece com Atômico Platônico e com o libelo anti-Vietnâ Mundo Colorido, gravado entre ruídos e risadas. A banda niteroiense Os Lobos (que teve em sua formação o cantor Dalto) aparece com várias faixas, entre elas um de seus raros sucessos, Fanny. A banda gravou um único disco, Miragem (Top Tape, 1971), jamais reeditado. Erasmo Carlos aparece com algmas músicas da fase Polydor e com outros sucessos de sua primeira fase discográfica, na RGE - como Para os Diabos com os Conselhos de Vocês.
A MPB bate ponto com duas gravações lisérgicas de Gal Costa, Cultura e Civilização (composta por Gilberto Gil) e Meu Nome É Gal (um presente de Roberto e Erasmo), sem falar no samba-choro psicodélico de 29 Beijos, dos Novos Baianos. O psico-soul aparece com o combo paulista Os Brazões, que revelou o funkeiro Miguel De Deus, em faixas como Módulo Lunar e Pega a Voga, Cabeludo, de Gilberto Gil. A compilação ainda tem gravações raras, como o single que o conjunto baileiro carioca The Pops gravou ao lado do ator Gracindo Junior, ou uma "unknown psychedelic track", excelente e pesada. E é possível encontrar várias faixas tiradas dos LPs psicodélicos que Ronnie Von lançou entre 1968 e 1970 pela Polydor, como Silvia 20 Horas Domingo e Pare de Sonhar com Estrelas Distantes.
Para quem se interessar pelas brazilian Nuggets é necessário primeiro baixar o programa p2p Soulseek - disponível na seção de Downloads do site www.slsknet.org. Depois, é só digitar "brazilian nuggets" no buscador e todo um mundo de obscuridades do rock nacional estará à sua disposição. Vale lembrar que tal expediente se tornaria inútil caso as gravadoras se interessassem em disponibilizar estes fonogramas em CDs remasterizados e com boas informações sobre os artistas e as faixas escolhidas. "Fora algumas exceções, parece que o rock'n'roll no Brasil é sempre deixado pra segundo plano. Afinal o brazilian way of life é com samba no pé e pandeiro na mão", conclui Leonardo Bonfim.