<i>Cambaio</i>: ainda em processo de criação

Ópera-pop com excelentes canções inéditas de Chico Buarque e Edu Lobo estreou em São Paulo demonstrando que seu texto ainda não está finalizado

Carlos Calado
21/04/2001
A presença da prefeita Marta Suplicy na platéia do teatro do Sesc Vila Mariana, ontem à noite, em São Paulo, já sinalizava a dimensão do interesse pelo que se estava prestes a ouvir e ver no palco (veja foto). Não é todo dia que se tem a chance de acompanhar a estréia oficial de um espetáculo como Cambaio, produção que reúne os consagrados talentos musicais de Chico Buarque, Edu Lobo e Lenine com a experiência do encenador João Falcão e da escritora Adriana Falcão – todos presentes na platéia.

Como se estivesse na noite de estréia de um grande show, o público formado exclusivamente por convidados interrompeu a encenação várias vezes para aplaudir as canções inéditas de Chico e Edu. E não só se levantou, como se virou na direção das poltronas que a dupla de compositores e o diretor musical Lenine ocuparam na platéia, para aplaudi-los durante alguns minutos. Canções como a romântica A Moça do Sonho, a valsa Uma Canção Inédita ou a vibrante Cambaio mostram que dupla continua afiadíssima no ofício de articular melodias e letras.

O diretor João Falcão acertou ao definir o espetáculo como uma ópera-pop, mas estava dourando sua pílula quando negou influências estéticas dos musicais da Broadway. Em alguns aspectos, Cambaio lembra sim musicais e óperas-rock dos anos 70, como Hair ou Godspel. Impressão que é reforçada até pelas roupas, cortes de cabelo, guitarras e o tom musical tipicamente roqueiro dos arranjos imprimidos a algumas das canções do espetáculo.

Ruídos eletrônicos
Não foi à toa que um folheto distribuído à entrada do teatro dizia textualmente que o espetáculo ainda não está pronto. O impacto das novas canções, a trilha sonora executada ao vivo pelos atores (incluindo os ruídos eletrônicos e os samples pilotados pelo DJ KBÇA), o impressionante preparo físico dos 18 integrantes do elenco, que se movimenta e se equilibra, literalmente, na enorme estrutura metálica que serve de cenário ao espetáculo, não conseguem disfarçar a evidente deficiência do texto, que revela estar ainda em franco processo de desenvolvimento.

O enredo esboçado por Adriana e João Falcão tem potencial, mas não foi bem explorado. As cenas baseadas no triângulo amoroso estabelecido entre Rato (um cambista, interpretado por Daniel Sarto), Cara (um indefinido popstar, executado por João Simão) e Bela (uma fã, vivida por Carolina Bello) mostraram ser insuficientes para sustentar o espetáculo. Faltam personagens secundários mais definidos, faltam outras situações para desenvolver melhor o fio narrativo, baseado numa estrutura de sonho que se repete, em confronto com a aparente realidade da história.

Ainda que o encenador tenha declarado sua intenção de efetuar um rodízio dos três papéis principais entre outros integrantes do elenco, fica uma certa impressão de desperdício ao se ver uma atriz e cantora talentosa, como Andréa Marquee sub-utilizada como mera coadjuvante. Por outro lado, chega a ser constrangedor ver o ator João Simão, obrigado a se movimentar durante quase todo o espetáculo com circenses pernas-de-pau, não conseguir cantar por evidente falta de fôlego. Passado o nervosismo gerado pela estréia, espera-se agora que Adriana e João Falcão possam avaliar com mais objetividade as deficiências dramatúrgicas do espetáculo e o finalizem devidamente. As excelentes canções de Chico e Edu, a criativa direção musical de Lenine e a garra que elenco demonstrou no palco fazem por merecer muito mais do que se viu na estréia.

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