<i>Cambaio</i> em contagem regressiva

Chico Buarque, Edu Lobo e Lenine comentam suas participações no musical escrito por Adriana e João Falcão, que estréia dia 20, em São Paulo

Carlos Calado
12/04/2001
Ainda faltavam nove dias para a estréia, mas os carismas de Chico Buarque, Edu Lobo e Lenine já conseguiram lotar o Teatro do Sesc Vila Mariana, ontem à noite, em São Paulo. Em meio a demonstrações de tietagem explícita, como os inevitáveis gritinhos de "lindo", uma platéia atenta e predominantemente feminina foi ouvir os três astros da música popular brasileira falarem sobre suas participações em Cambaio - o espetáculo teatral que promete exibir oito canções inéditas de Chico e Edu, sob a direção musical de Lenine. Contando com um elenco jovem, formado por 18 atores, músicos e dançarinos, a montagem - orçada em R$ 1,5 milhão - ainda está recebendo os ajustes finais do encenador pernambucano João Falcão, que também assina o roteiro junto com sua mulher, Adriana Falcão.

O título do espetáculo, contou Chico, surgiu a partir de uma das primeiras melodias enviadas a ele por Edu, para serem letradas. "Eu ouvi essa palavra na melodia. Parecia ouvir o Edu cantarolando ‘cambaio, cambaio’", disse o compositor, levantando-se da poltrona, para demonstrar melhor o sentido da palavra com seu corpo. "Cambaio quer dizer torto, troncho, manco. Também tem a ver com o andar do jegue, como disse o João Falcão. O Garrincha também era cambaio", explicou Chico, observando que é bastante comum uma letra de uma canção ser criada a partir de uma única palavra inicial.

Não deixa de ser um título irônico para um espetáculo que vai se apoiar bastante na resistência física e no equilíbrio dos atores. O cenário será composto por uma estrutura metálica aberta (de 14 metros de altura por sete metros de largura), na linha das torres de iluminação de shows ao ar livre, que será escalada pelo elenco.

Canção pop
A idéia de convidar Lenine para participar do trabalho, segundo Edu, nasceu a partir de uma experiência semelhante à de Chico, na canção que deu nome ao espetáculo. "Eu tinha que fazer uma canção pop, que seria um grande sucesso, na história. Minha primeira idéia era trazer o Ed Motta, mas quando a melodia e a letra ficaram prontas, comecei a ouvir a voz do Lenine cantando essa canção. Essa música era para ele cantar. Daí para o Lenine virar diretor musical demorou uns dois minutos", contou Edu, revelando também que as gravações para o álbum com as canções do espetáculo começam no próximo dia 16.

"É uma comédia musical", definiu Chico, contando que os ensaios de Cambaio o fizeram lembrar do também jovem elenco de Morte e Vida Severina - a montagem feita a partir do texto de João Cabral de Melo Neto, que inaugurou sua série de trabalhos para o teatro, em 1965. "A vibração e a entrega dessa garotada são muito tocantes. Eu também era um garoto naquele tempo. Foi a primeira vez que ganhei uns trocados fazendo música para teatro", recordou. "Gosto muito de trabalhar com um texto alheio. Isso parece uma limitação, mas não é porque me obriga a encontrar palavras, ou mesmo a dizer coisas que eu nunca diria em minhas canções. Essas canções para teatro e filmes são sui generis, porque são feitas para as personagens".

Concordando com o parceiro, Edu disse que também valoriza muito essa chance de compor a partir de ritmos e gêneros, como o tango ou o blues, com os quais naturalmente não trabalharia em seu repertório mais pessoal. "Ao compor para o teatro, é o personagem que manda em você. Eu jamais faria uma música como Lily Braun, mas você também vira ator e acaba fazendo", disse o compositor, referindo-se à popular canção que compôs com Chico para o balé O Grande Circo Místico, que rendeu um disco homônimo.

Edu também disse ter se emocionado ao assistir a alguns dos testes para a escolha do elenco do espetáculo, realizados com mais de três mil candidatos, no final do ano passado "Achei que estava ficando velho. Os testes eram muito difíceis, piores do que cantar no Maracanãzinho", comparou o compositor. "São garotos e garotas de vinte e poucos anos, que estão criando juntos. Todos eles propõem coisas. O processo está sendo muito enriquecedor", emendou Lenine, que vem coordenando o trabalho musical do elenco há cerca de um mês. "A gente está descobrindo o tom do espetáculo junto com a rapaziada. Todo mundo está à procura da beleza", completou o músico e compositor pernambucano.

Como no início da carreira
Avaliando como "estimulante" a parceria a dez mãos com Chico, Lenine, João e Adriana Falcão, o autor das músicas do espetáculo comentou que o processo de trabalho de Cambaio também o fez lembrar do início de sua carreira. "Trabalhamos como fazíamos nos anos 60, ou seja, sem grana", comparou Edu, referindo-se às dificuldades iniciais que Falcão encontrou para viabilizar a produção, que agora conta com patrocínio do Sesc e da Petrobrás, além de apoios de algumas empresas. "Foi um trabalho de equipe, bem diferente de outras peças que musicamos, já com produção prévia e textos prontos. Partimos do nada e nem tudo está pronto ainda. O roteiro foi desrespeitado por nós o tempo todo. Isso é bom, porque assim fica um trabalho mais orgânico", observou Chico.

"Esse cuidado que o Chico tem com as letras é muito estimulante para mim, como compositor. Sei que não posso pisar na bola com ele", disse Edu, comentando a parceria de duas décadas que já rendeu canções para espetáculos de sucesso, como o Grande Circo Místico (1982), dirigido por Naum Alves de Souza, ou a peça O Corsário do Rei (1985), encenada por Augusto Boal. "O Chico é muito cuidadoso com as notas das canções. Tenho o defeito de querer mudar algumas notas às vezes, mas quando ele reclama, eu desmudo", disse o compositor, rindo.

A participação da música na montagem, segundo Lenine, vai se dar através de vários formatos: de pequenas formações instrumentais até uma grande banda. "Tem de tudo, porque o nosso elenco é muito musical. A coisa depende das canções", sintetizou o diretor musical, observando que o tratamento dado a cada uma das canções já estava, de algum modo, implícito nas próprias composições de Edu e Chico. "A gente só botou uns babados e pompons", brincou Lenine. Os arranjos também estão sendo feitos de forma coletiva. "Eu só dou as pistas, às vezes até falsas. Todos estão fazendo juntos. É como se o texto e a música formassem uma malha sonora", resumiu.

Até pelo fato de ser um instrumento que já se confunde com a essência da música brasileira, o violão terá um foco especial no espetáculo, segundo Lenine. "No início, achei que teríamos apenas dois violonistas no elenco. Hoje, tenho uns sete ou oito violonistas que estão tocando muito bem, com todo esse refinamento de Chico e Edu", comentou o diretor musical. Por outro lado, Lenine não abriu mão de contar também com recursos eletrônicos, a exemplo do que tem feito em seus discos e shows. "Tudo é ferramenta, tudo é música", disse o compositor pernambucano, revelando que vai utilizar passagens pré-gravadas, além de contar no palco com a figura de um DJ.

Tiradas bem-humoradas não faltaram ao longo da hora e meia de conversa com o público. Como a sinceridade de Chico, ao revelar que quase não freqüenta teatro. "Eu escrevo para não precisar assistir depois. Adoro teatro, mas não é sempre", afirmou, assumindo que não tem planos de retornar tão cedo a esse gênero de trabalho musical. "Gosto de ver os ensaios, mas depois da estréia já não tenho grande interesse. Com disco é a mesma coisa: só gosto de gravar", disse o compositor. Já ao esperado pedido de que dessem uma "palinha" de alguma das canções do espetáculo, Edu respondeu pelos três: "Sem violão, sem álcool, sem nada?", perguntou, encerrando a conversa, sob os protestos das fãs mais eufóricas.

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