2003, ano de Maria Rita, Pagodinnho & muito mais
Filha de Elis Regina e o sambista Zeca foram alguns dos destaques do ano; veja mais em nossa Retrospectiva
Marco Antonio Barbosa
04/01/2004
Dois mil e três foi um ano de reabilitação para a velha e nem sempre boa MPB - reabilitação essa personificada em Maria Rita Mariano, sem dúvida a mais importante figura do ano fonográfico que passou. Incensada sem restrições pela crítica e também adotada pelo público (a bordo de um esquema de marketing de proporções notáveis para uma artista "de elite"), a jovem filha de Elis Regina e Cesar Camargo Mariano fez-nos suspirar com a esperança de dias melhores em nossas paradas de sucesso. Dias estes que, possivelmente, consigam conjugar qualidade artística e potencial mercadológico.
Pode-se discutir os méritos de uma "nova MPB" que se sustenta, justamente, em sua semelhança com a MPB de outras eras. O caso de Maria Rita, alçada ao estrelato pela espantosa similaridade de voz e estilo com a mãe, é um exemplo. Entretanto, seria necessária muita má-vontade para não reconhecer as qualidades próprias da intérprete, que fez um disco em muitos aspectos surpreendente. Maria Rita, o álbum, escapou dos clichês superproduzidos ao apostar em arranjos elegantes e econômicos. Também no repertório sobreveio o imprevisível. A aposta majoritária em canções novas lançou nova luz para gente como Marcelo Camelo, do grupo carioca Los Hermanos. Corooando isso tudo, a aposta pesada da gravadora Warner (seria Maria Rita "a cantora que todos estavam esperando"?) garantiu que a moça, aos 26 anos e no primeiro disco, atingisse o topo do Olimpo emepebístico em 2003. Com mais de 600 mil discos vendidos (incluindo aí o estouro de seu DVD, recordista em vendas antecipadas), a cantora encerrou o ano anunciando sua gravidez e cantando para centenas de milhares de pessoas na Praia de Copacabana. Não é para qualquer um.
E o resto da MPB?
Bem, o resto foi "apenas" o resto. Entre as figuras de primeiro escalão, Gilberto Gil foi quem teve mais destaque - mas não por seu trabalho como músico e sim no gabinete do presidente Lula, no Ministério da Cultura. Maria Bethânia consolidou seu status de independente e abriu seu próprio selo (o Quitanda) enquanto seu álbum Maricotinha ao Vivo conferia à gravadora Biscoito Fino seu primeiro Disco de Ouro. Gal Costa lançou Todas as Coisas e Eu, revisitando pérolas das décadas de 1920 a 1950, depois de anunciar disco ao vivo megaproduzido (e brigar com a gravadora, a Indie). E Chico Buarque & Caetano Veloso estiveram em evidência, mas não por seus discos. Chico lançou novo romance (Budapeste), enquanto Caetano cantou na festa do Oscar, relançou o filme Cinema Falado, gravou (mas não lançou) A Foreign Sound, disco todo em inglês...
Milton Nascimento, Paulinho da Viola, João Bosco, Elza Soares, Ivan Lins e Simone, entre outros, engrossaram a lista dos grandes nomes que se desligaram das gravadoras multinacionais. Alguns, como Milton, armaram seus próprios selos; outros, caso de Paulinho e a Biscoito Fino, agregaram-se a curto prazo a pequenas gravadoras. Impávida, a Indie Records fechou o ano amealhando boa parte dos "sem-gravadora", como Raimundo Fagner & Zeca Baleiro (que gravaram um bom disco em conjunto), Erasmo Carlos, Reginaldo Rossi e Alceu Valença.
Se para a MPB "chique" a grande estrela foi Maria Rita, na seara do samba - e por certo, junto ao imenso público consumidor de artistas popularescos - não teve outra: só deu Zeca Pagodinho. A bordo de um consagrador Acústico MTV, o sambista ganhou (na verdade, confirmou) status de unanimidade nacional. Até no especial de Roberto Carlos ele foi parar! Mas não foi apenas da popularidade do seu maior megastar que viveu a boa batucada em 2003. Moacyr Luz , Guilherme de Brito, Paulo Cesar Pinheiro e Dorina mostraram, cada um a seu modo, suas contribuições como estilistas refinados do samba.
Em ano de crise das gravadoras, sinalizado pelo fechamento da Abril Music logo em janeiro, a maré esteve boa para relançamentos. A EMI fez a festa resgatando mais de cem álbuns originais em sua coleção Odeon 100 Anos; a Universal não ficou atrás e trouxe de volta o catálogo da gravadora Elenco. Suntuosas, as caixas múltiplas (re)apresentaram ao público o passado de gente como Elza Soares, Elizeth Cardoso, Paulo Vanzolini, Ary Barroso (um dos dois homenageados do ano, ao lado de Vinicius de Morais) e Toquinho. Já os tributos tiveram como alvo nomes (e elencos) tão díspares quanto Clara Nunes, Secos & Molhados, Jacob do Bandolim, João Bosco (em songbook) e, de novo, Vinicius (em tributo de Miúcha).
Pop-rock: consagrados e emergentes
Não chega a ser exagero dizer que, em 2003, o pop carioca deu as cartas no cenário. Consagrado de alto a baixo, o segundo álbum solo de Marcelo D2, À Procura da Batida Perfeita, acertou de vez a mescla de rap e samba perseguida pelo cantor do Planet Hemp. A bordo do sucesso que as músicas que Marcelo Camelo emplacou no disco de Maria Rita, os Los Hermanos viram seu idiossincrático rock'n'MPB ser aclamado, com Ventura. E BNegão lançou sua há muito aguardada estréia solo, em outro álbum (Enxugando Gelo) que, junto com o de D2, atesta a vitalidade do nosso hip hop.
Houve espaço para outras unidades da federação, claro. O Skank fez um dos mais belos discos de rock do ano, o psicodélico-retrô Cosmotron; os Titãs voltaram (bem) em Como Estão Vocês?, enquanto Nando Reis mostrava-se maduro e pessoal em A Letra A; o mundo livre S/A sobreviveu às intempéries mercadológicas e soltou seu disco mais politizado, O Outro Mundo de Manoela Rosário; Pitty, vinda da Bahia, injetou peso nas paradas pop; Otto voltou mais relax e musical em Sem Gravidade. O mainstream foi mesmo dominado por Charlie Brown Jr. e Jota Quest, ambos a bordo da griffe MTV (que também deu um gás para o Kid Abelha e Marina Lima). Entre os independentes que valeram à pena prestar atenção, uma lista rápida pode incluir nomes comoTom Bloch, Acústicos & Valvulados, Autoramas, Kátia B., Mamelo Sound System, Eddie, Wado, Curumim, Bojo (que lançou um incensado disco junto à veterana Maria Alcina), Frank Jorge, Bonsucesso Samba Clube, Mylene...
Populares: Casa Branca e páginas policiais
Provavelmente em contraposição à ênfase dada na mídia à MPB mais "granfina", os artistas popularescos tiveram um ano de altos e baixos. Alexandre Pires, definitivamente ex-sambista (ex-brasileiro, também?), concretizou a ambição máxima de muitos astros congêneres: cantou na Casa Branca, sede do governo dos EUA, com direito a lágrimas diante do presidente George W.Bush. Enquanto, sua antiga banda, o Só Pra Contrariar, contrariava todo mundo e lançava um disco mais voltado para o samba de raiz. Antípodas físicamente (uma curvilinea e loura, a outra gordinha e morena), Kelly Key e Preta Gil dividiram as atenções na ribalta pop - mas quem emplacou mesmo foi Luka, a do ubíquo hit Tô Nem Aí. Sandy & Junior frustraram-se em sua carreira internacional, mas para compensar lançaram Acquaria, megaprodução cinematográfica. Br'Oz, Felipe Dylon e Gustavo Lins foram algumas das novas apostas para o coração das menininhas.
Entretanto, mais do que nas páginas musicais, os populares estiveram mesmo nos registros policiais. Leonardo e Belo fecharam o ano com problemas legais, o primeiro envolvido num acidente automobilístico que deixou um morto, o outro foragido da Justiça, condenado por envolvimento com o tráfico de drogas. Um triste retrospecto que, pensando bem, começou com o patético incidente envolvendo os grupos Art Popular e LS Jack, que trocaram tapas no saguão de um aeroporto no Rio de Janeiro a troco de nada.
Pode-se discutir os méritos de uma "nova MPB" que se sustenta, justamente, em sua semelhança com a MPB de outras eras. O caso de Maria Rita, alçada ao estrelato pela espantosa similaridade de voz e estilo com a mãe, é um exemplo. Entretanto, seria necessária muita má-vontade para não reconhecer as qualidades próprias da intérprete, que fez um disco em muitos aspectos surpreendente. Maria Rita, o álbum, escapou dos clichês superproduzidos ao apostar em arranjos elegantes e econômicos. Também no repertório sobreveio o imprevisível. A aposta majoritária em canções novas lançou nova luz para gente como Marcelo Camelo, do grupo carioca Los Hermanos. Corooando isso tudo, a aposta pesada da gravadora Warner (seria Maria Rita "a cantora que todos estavam esperando"?) garantiu que a moça, aos 26 anos e no primeiro disco, atingisse o topo do Olimpo emepebístico em 2003. Com mais de 600 mil discos vendidos (incluindo aí o estouro de seu DVD, recordista em vendas antecipadas), a cantora encerrou o ano anunciando sua gravidez e cantando para centenas de milhares de pessoas na Praia de Copacabana. Não é para qualquer um.
E o resto da MPB?
Bem, o resto foi "apenas" o resto. Entre as figuras de primeiro escalão, Gilberto Gil foi quem teve mais destaque - mas não por seu trabalho como músico e sim no gabinete do presidente Lula, no Ministério da Cultura. Maria Bethânia consolidou seu status de independente e abriu seu próprio selo (o Quitanda) enquanto seu álbum Maricotinha ao Vivo conferia à gravadora Biscoito Fino seu primeiro Disco de Ouro. Gal Costa lançou Todas as Coisas e Eu, revisitando pérolas das décadas de 1920 a 1950, depois de anunciar disco ao vivo megaproduzido (e brigar com a gravadora, a Indie). E Chico Buarque & Caetano Veloso estiveram em evidência, mas não por seus discos. Chico lançou novo romance (Budapeste), enquanto Caetano cantou na festa do Oscar, relançou o filme Cinema Falado, gravou (mas não lançou) A Foreign Sound, disco todo em inglês...
Milton Nascimento, Paulinho da Viola, João Bosco, Elza Soares, Ivan Lins e Simone, entre outros, engrossaram a lista dos grandes nomes que se desligaram das gravadoras multinacionais. Alguns, como Milton, armaram seus próprios selos; outros, caso de Paulinho e a Biscoito Fino, agregaram-se a curto prazo a pequenas gravadoras. Impávida, a Indie Records fechou o ano amealhando boa parte dos "sem-gravadora", como Raimundo Fagner & Zeca Baleiro (que gravaram um bom disco em conjunto), Erasmo Carlos, Reginaldo Rossi e Alceu Valença.
Se para a MPB "chique" a grande estrela foi Maria Rita, na seara do samba - e por certo, junto ao imenso público consumidor de artistas popularescos - não teve outra: só deu Zeca Pagodinho. A bordo de um consagrador Acústico MTV, o sambista ganhou (na verdade, confirmou) status de unanimidade nacional. Até no especial de Roberto Carlos ele foi parar! Mas não foi apenas da popularidade do seu maior megastar que viveu a boa batucada em 2003. Moacyr Luz , Guilherme de Brito, Paulo Cesar Pinheiro e Dorina mostraram, cada um a seu modo, suas contribuições como estilistas refinados do samba.
Em ano de crise das gravadoras, sinalizado pelo fechamento da Abril Music logo em janeiro, a maré esteve boa para relançamentos. A EMI fez a festa resgatando mais de cem álbuns originais em sua coleção Odeon 100 Anos; a Universal não ficou atrás e trouxe de volta o catálogo da gravadora Elenco. Suntuosas, as caixas múltiplas (re)apresentaram ao público o passado de gente como Elza Soares, Elizeth Cardoso, Paulo Vanzolini, Ary Barroso (um dos dois homenageados do ano, ao lado de Vinicius de Morais) e Toquinho. Já os tributos tiveram como alvo nomes (e elencos) tão díspares quanto Clara Nunes, Secos & Molhados, Jacob do Bandolim, João Bosco (em songbook) e, de novo, Vinicius (em tributo de Miúcha).
Pop-rock: consagrados e emergentes
Não chega a ser exagero dizer que, em 2003, o pop carioca deu as cartas no cenário. Consagrado de alto a baixo, o segundo álbum solo de Marcelo D2, À Procura da Batida Perfeita, acertou de vez a mescla de rap e samba perseguida pelo cantor do Planet Hemp. A bordo do sucesso que as músicas que Marcelo Camelo emplacou no disco de Maria Rita, os Los Hermanos viram seu idiossincrático rock'n'MPB ser aclamado, com Ventura. E BNegão lançou sua há muito aguardada estréia solo, em outro álbum (Enxugando Gelo) que, junto com o de D2, atesta a vitalidade do nosso hip hop.
Houve espaço para outras unidades da federação, claro. O Skank fez um dos mais belos discos de rock do ano, o psicodélico-retrô Cosmotron; os Titãs voltaram (bem) em Como Estão Vocês?, enquanto Nando Reis mostrava-se maduro e pessoal em A Letra A; o mundo livre S/A sobreviveu às intempéries mercadológicas e soltou seu disco mais politizado, O Outro Mundo de Manoela Rosário; Pitty, vinda da Bahia, injetou peso nas paradas pop; Otto voltou mais relax e musical em Sem Gravidade. O mainstream foi mesmo dominado por Charlie Brown Jr. e Jota Quest, ambos a bordo da griffe MTV (que também deu um gás para o Kid Abelha e Marina Lima). Entre os independentes que valeram à pena prestar atenção, uma lista rápida pode incluir nomes comoTom Bloch, Acústicos & Valvulados, Autoramas, Kátia B., Mamelo Sound System, Eddie, Wado, Curumim, Bojo (que lançou um incensado disco junto à veterana Maria Alcina), Frank Jorge, Bonsucesso Samba Clube, Mylene...
Populares: Casa Branca e páginas policiais
Provavelmente em contraposição à ênfase dada na mídia à MPB mais "granfina", os artistas popularescos tiveram um ano de altos e baixos. Alexandre Pires, definitivamente ex-sambista (ex-brasileiro, também?), concretizou a ambição máxima de muitos astros congêneres: cantou na Casa Branca, sede do governo dos EUA, com direito a lágrimas diante do presidente George W.Bush. Enquanto, sua antiga banda, o Só Pra Contrariar, contrariava todo mundo e lançava um disco mais voltado para o samba de raiz. Antípodas físicamente (uma curvilinea e loura, a outra gordinha e morena), Kelly Key e Preta Gil dividiram as atenções na ribalta pop - mas quem emplacou mesmo foi Luka, a do ubíquo hit Tô Nem Aí. Sandy & Junior frustraram-se em sua carreira internacional, mas para compensar lançaram Acquaria, megaprodução cinematográfica. Br'Oz, Felipe Dylon e Gustavo Lins foram algumas das novas apostas para o coração das menininhas.
Entretanto, mais do que nas páginas musicais, os populares estiveram mesmo nos registros policiais. Leonardo e Belo fecharam o ano com problemas legais, o primeiro envolvido num acidente automobilístico que deixou um morto, o outro foragido da Justiça, condenado por envolvimento com o tráfico de drogas. Um triste retrospecto que, pensando bem, começou com o patético incidente envolvendo os grupos Art Popular e LS Jack, que trocaram tapas no saguão de um aeroporto no Rio de Janeiro a troco de nada.