A (mais nova) reinvenção de Patrícia Marx

Cantora ressurge com o elogiado álbum Respirar, mesclando música brasileira e experimentação eletrônica

Marco Antonio Barbosa
25/04/2002
Patrícia Marx(clique para ampliar)
Engana-se quem pensa que um artista só pode estrear uma única vez. Uma das peculiaridades da música pop é a capacidade que seus artífices têm de recriar a si mesmos, em sucessivos "renascimentos". Mas tem gente que exagera neste campo. É o caso de Patrícia Marx, que aos 29 anos lança seu oitavo disco solo, Respirar (Trama). Vamos contar as reencarnações da cantora: cantora-mirim no começo dos anos 80, com o Trem da Alegria; adolescente sob a guarda de Michael Sullivan & Paulo Massadas; neo-bossa nova no começo da década de 90; e artista ligada à dance music (apadrinhada por Nelson Motta). Agora, instalada na gravadora de João Marcello Bôscoli, Patrícia ensaia a virada mais radical de sua carreira cheia de viradas. Uma nova imagem, um novo som e os primeiros e decididos passos como compositora acompanham a cantora, agora sintonizada com a modernização da MPB e com a música eletrônica.

"Só agora me sinto realmente satisfeita com meu trabalho. Acabei me cansando da música nos anos 90, quando cheguei a pensar em parar com tudo. Estava farta da repetição. Agora eu faço o que quero e dou opinião sobre tudo em meu trabalho", afirma hoje Patrícia sobre sua nova empreitada. Finalmente sob o controle de sua carreira, a artista acha que só agora está fazendo música para valer. "Tudo o que eu cantava antes vinha muito pronto, mastigado, eu não tinha participação alguma no processo. Aquilo me incomodava. Senti que tinha de andar com minhas próprias pernas", fala ela. Daí, o sumiço temporário do meio artístico a partir de 1998. "Afastei-me da midia para poder me renovar. Foi um movimento natural, mas proposital também. Na verdade essas idas e vindas são muito normais na vida do artista", explica.

As idas e vindas, que foram muitas, frutificaram em Respirar. O álbum vem sendo saudado pela crítica local como um mais um inspirado passo na mescla de música brasileira e modernidade eletrônica. Assumindo a bandeira do broken beat - variação mais calma e melódica do drum'n'bass - Patrícia produziu um CD um disco que junta suas predileções pessoais (black music, bossa nova, jazz) a ambiências e timbres inspirados no que há de mais moderno no campo da electronica. "Na época em que trabalhei com Nelson Motta, eu já tinha mexido de leve com a música eletrônica, mas num contexto mais pop, dance radiofônico", lembra Patrícia. "Quando conheci o Bruno (Bruno E, diretor do selo Sambaloco e marido da cantora), em 1998, ele me mostrou o lado mais underground da eletrônica - drum'n'bass, breakbeats... Abriu um mundo diferente para mim, especialmente a forma como os DJs compõem, de maneira mais livre, sem barreiras. Foi aí que eu me apaixonei pela música de novo."

A partir da união com Bruno, começaram a nascer as músicas que estão em Respirar - praticamente todas assinadas por Patrícia, sozinha ou em parceria. "Fiz uma tremenda pesquisa de sons e timbres, fiz estudos de voz para refinar meu canto, ouvi muita coisa, e conheci muitos artistas e discos viajando ao exterior", conta Patrícia. Ela conseguiu achar o ponto mediano entre suas influências mais tradicionais e as novidades sintetizadas. "Nunca deixei de ouvir MPB e muita música negra, soul, funk - e também a bossa nova de sempre", fala Patrícia. "Não cheguei a virar uma clubber radical". Ainda assim, numa das viagens feitas a Londres, surgiu a ponte com o duo inglês 4Hero, grande nome do cenário de d'n'b e que produziu as faixas Submerso e Dona Música, duas das melhores de Respirar. "Cantei com o 4Hero em Londres há uns dois anos atrás, e eles retribuíram o favor participando do disco", diz a cantora.

Nem só das batidas secas e dos samplers vive a nova Patrícia Marx, e Respirar assinala isso com um rico arsenal de timbres (teclados vintage, naipes de cordas e metais, violões). A própria cantora esteve de olho vivo na produção do álbum, dividida entre ela, Bruno E e Mad Zoo. "Não mexo na parte técnica, essa coisa de girar nos botõezinhos", Patrícia reconhece. "Mas todo o resto do processo foi acompanhado por mim; a escolha das batidas, os arranjos, os samplers. Foi um processo de treinamento do ouvido." Isso também incluiu a orquestração de um punhado seleto de convidados especiais, como João Parahyba (do Trio Mocotó, que capricha nas batidas de ...E o Meu Amor Vi Passar), Wilson Simoninha (malemolente em Dona Música) e o rapper MC Kontrol (em Earth).

Patrícia está ciente do potencial de sedução que o som de Respirar tem para o mercado exterior, especialmente a Europa. "Esse tipo de mescla que estamos fazendo está muito bem cotada lá fora", diz a cantora, que em agosto parte para uma turnê internacional. "Vamos à Inglaterra e à França e já temos contatos no Japão. Agora queremos licenciar o disco para lançamento oficial em toda a Europa", fala Patrícia. Os shows ficarão, a princípio, restritos ao universo dos clubes. "Vou trabalhar primeiro com DJs, lançando remixes para as pistas e fazendo live P.A.s (apresentações de artistas ao vivo dentro de casas noturnas)", fala a cantora. No Brasil, ela tem ambições ainda maiores. "Quero mudar a cabeça das pessoas, abrir a mentalidade delas e prepará-las para ouvir coisas novas. Sei que é complicado entrar nas rádios fazendo este tipo de som, mas para mim o mais importante ainda é surpreender os ouvintes", proclama.