A alta frivolidade de Ayrton Mugnaini Jr.

Compositor de Os Metaleiros Também Amam e de vários hits satíricos alternativos, compositor paulistano lança em CD-R a sua antologia de 16 anos de produção

Silvio Essinger
18/04/2001
Hoje em dia, o que é a MPB? O paulistano Ayrton Mugnaini Jr. tem a explicação na ponta da língua em Eu Adoro MPB (Seja Lá Isso o Que For), faixa de abertura de Alta Frivolidade - Os Maiores Quase-Sucessos (Vol. 1, é Claro) ouvir 30s, coletânea de sua subterrânea produção, registrada mais ou menos precariamente entre 1984 e 2000: "MPB, o que tu és? Um jazz que não é jazz, um baião que não é baião, um samba que também não é samba, um blues que não é blues, um rocão que não é rocão, uma mistura pop com outro nome pra dar ibope, pois você sabe, a indústria é campeã."

Compositor da primeira fase do Língua de Trapo ("quando eles eram uma banda de humor"), Ayrton conquistou vários admiradores com sua afiada sátira musical (alguns poucos famosos, como Pato Fu, que sampleou sua O Homem da Minha Vida, e Nasi, vocalista do Ira!, que gravou Rebel Dog Blues com a sua banda Irmãos do Blues), mas teve apenas um sucesso entre o grande público: Os Metaleiros Também Amam ouvir 30s.

Alguns irão lembrar: mil novecentos e oitenta e cinco, Festival dos Festivais. O Língua de Trapo defendia a canção, que, em ritmo brega, contava o causo de um metaleiro que se apaixonara por uma menina new wave em pleno Rock In Rio - uma história de amor que tinha tudo para dar errado, e deu, com discos quebrados de ambos os lados. Pois ela está lá, no CD-R (que Ayrton espera um dia lançar como CD normal), como "a do festival". Porque existe uma outra Os Metaleiros Também Amam, ainda mais engraçada, "a boa", também incluída no disco.

Ayrton explica: "Comentei com o Carlos Melo (outro compositor do Língua de Trapo) que tinha feito essa música. Então, ele fez outra com o mesmo título, que eu só ajudei a terminar. E foi a que acabou entrando no festival." O feito, que uns celebrariam, o compositor cuida de minimizar: "O festival estava num nível tão baixo que a música se classificou!" Ele, por sinal, até mandou uma música para o último festival da Globo, do ano passado: Eu Vou Chegar Lá Nem Que Seja na Honestidade, gravada com a banda Magazine, de Kid Vinil. Mas ela não chegou nem a se classificar. "Aquele Festival de 85 era uma espécie de Fantástico sem a parte médica. Esse novo nem isso foi", lamenta, com seu carregado sotaque de paulista do interior.

Precariedade
Aos 43 anos de idade, depois de um disco ainda na fase do LP (A Coragem de Ayrton Mugnaini Jr., de 1991), este jornalista e pesquisador de MPB cansou de esperar por uma gravadora e lançou a coletânea em cópias de CD-R. "Em bom português, é o do-it-yourself (faça-você-mesmo)", ironiza. Ele começou sua produção munido de um simples gravador cassete - um instrumento de cada vez, passando de fita para fita. O resultado, como se poderia esperar de tal armação, é o mais precário possível, como se pode conferir em O Homem da Minha Vida (clássico do Língua de Trapo - uma canção breguíssima que culmina com a frase "Mulher de amigo meu pra mim é homem/ Por isso você é o homem da minha vida") e Praga Sonora.

"Era bem primitivo mas funcionava", comenta Ayrton "Hoje tenho um estúdio portátil." Gravar diretamente no computador, como muitos de seus amigos fazem, ele ainda não tentou. "Preciso aprender a mexer nos programas." O curioso é que hoje aquelas suas primeiras gravações adquiriram até um charme lo-fi. "Vanguarda é uma questão de latitude", analisa o compositor. "O brasileiro copia, o estrangeiro recicla. O brasileiro é precário, o estrangeiro é lo-fi." Por falar nisso, antes mesmo de David Byrne redescobrir Tom Zé e torná-lo cult nos Estados Unidos, Ayrton já chamava o baiano para cantar o Hino da Dependência (ao lado do veterano roqueiro Tony Campello; do guitarrista do Premê, Mário Manga; e do vocalista do Língua, Laert Sarrumor). Mais curiosamente ainda, a música é uma irada sátira ao colonialismo americano, inspirada pelo malfadado We Are The World.

Enquanto o sucesso não vem, Ayrton continua compondo, fazendo trabalhos para a imprensa e tocando projetos editoriais - em breve, lança uma enciclopédia da música sertaneja. Mas no final das contas, acaba sendo tudo a mesma coisa. "Faço jornalismo com melodia, métrica e rima. Tudo é assunto para as minhas músicas, inclusive música", diz. Criado entre a jovem guarda, o pop europeu, a música sertaneja, Noel Rosa e a bossa nova ("São Paulo é uma cidade cosmopolita, escuta-se tudo aqui"), ele diz sentir saudades da época em que o rádio era mais democrático. No entanto, não deixa de ficar ligado nem mesmo no funk carioca, que considera "uma mistura de twist com rap". Ayrton prepara até uma investida no gênero, Tá Tudo Dominado e Nada Resolvido ("Quer dançar, quer dançar? Então vá pra outro lugar").

Depois de lançar um CD-R para o mercado internacional, com músicas cantadas em outros idiomas (Broken Music Spoken Here), Ayrton espera agora fazer o volume 2 da sua antologia, que vai se chamar Do Oiapoque ao Feng Shui. Quem não quiser esperar para saber o que vem por aí (ou mesmo quiser conseguir uma cópia de Alta Frivolidade), pode entrar em contato com ele pelo e-mail ayrtonmu@uol.com.br.

Leia ainda: