A bateria sem fronteiras de João Palma
Carioca, que começou com Roberto Menescal, foi morar nos EUA em 65 e hoje tem currículo de participações em discos que vai de Tom Jobim e Sérgio Mendes a Frank Sinatra e Herbie Hancock, prega a valorização do músico brasileiro
Rodrigo Faour
09/11/2000
O baterista carioca João Palma é um típico fruto da geração bossa nova. Em 1960, aos 17 anos de idade, ele estreava no conjunto Roberto Menescal. Depois de estudar um bocado, mudou-se para os Estados Unidos em 1965, e de lá para cá, reveza-se entre os dois países, gravando com alguns dos maiores cantores e músicos do mundo. De Tom Jobim, Frank Sinatra, Herbie Hancock, Paul Desmond e Milton Nascimento a Egberto Gismonti, Maysa, Lúcio Alves, Dori Caymmi, Astrud Gilberto e tantos outros. Hoje, ele tem três residências. Uma no Rio, outra em Los Angeles e uma terceira em Nova York. E se dá ao luxo de dividir seu tempo em gravações nos quatro cantos do mundo, fazendo shows e ministrando workshops sobre seu instrumento. Recentemente, João esteve no Rio de Janeiro, apresentando-se com banda no Bar Vinicius, em Ipanema. Prometeu voltar em janeiro para mais shows.
A carreira internacional do baterista começou quando ele estava fazendo um show na boate carioca Zum Zum, com Vinicius de Moraes e Dorival Caymmi, quando esse último recebeu um convite do versionista Ray Gilbert para se apresentar no programa do cantor Andy Williams. "Fui para os Estados Unidos em 1965 para trabalhar com Dorival Caymmi e Sérgio Mendes (no grupo Brasil 66, com o qual gravou três discos). Depois, trabalhei com Walter Wanderley, Astrud Gilberto e também com Liza Minnelli e vários jazzistas", enumera.
Palma diz que embora o Brasil não preze essa tradição, ele já fez diversos shows solo, só com a bateria. "Tem amigos meus no mundo inteiro fazendo shows solo de sax alto, violoncelo... Por que eu não faria de bateria? Eu dou videoaulas, workshops... Acontece que o Brasil é o país do cantor, por isso minha carreira foi feita nos Estados Unidos. Meus shows são intitulados João Palma e Convidados. Os empresários americanos me chamam Sir Butterfly porque estou sempre voando. Não quero amarras. Não quero me prender a um grupo ou cantor específico. Mas aqui no Brasil eles não entendem que o baterista pode ser líder de conjunto", resmunga, com toda razão.
"Sou brasileiro de Primeiro Mundo"
Ser respeitado pelos maiores músicos e bateristas do mundo não é para qualquer um. João Palma ostenta um currículo riquíssimo, quase impossível de se levantar gravação por gravação. Quando é perguntado sobre o que sentiu ao gravar ao lado de mitos, como Frank Sinatra (Sinatra & Company), ele responde sem deslumbramentos. "Acho que foi uma coisa forte para ele. Sou brasileiro de primeiro mundo! Esse negócio de ficar de joelhos para os outros não é comigo! Sou PhD master de teoria musical", conta. Segundo ele, antes de Tom e Sinatra gravarem o disco, o americano fez uma turnê, na qual Sérgio Mendes & Brasil 66 eram o número de abertura. Um dia, o baterista de Sinatra passou mal no meio do show e João acabou assumindo as baquetas até o final do espetáculo. "O Sinatra ficou louco comigo! Foi aí que ele chegou e me perguntou: ‘Será que o Jobim gravaria comigo?’ Ele achava o Tom melhor que Cole Porter que todo mundo... Ora, ele dizia para o Tom: ‘Se eu tivesse irmão, seria você’. Ele levava o Tom até na casa dele em Nevada! É por isso que eu digo que o brasileiro tem que se valorizar!", ensina. Com Jobim, por sinal, o baterista gravou discos célebres, como Tide, Stone Flower, Matita Perê e Urubu.
João Palma fala com o maior orgulho de seus colegas de geração, como o percussionista Airto Moreira e o organista Walter Wanderley. "Foi por meu intermédio que o Airto tocou no Stone Flower. Acreditei nele e o indiquei para a gravadora CTI. Porque vi logo que ele era um virtuose da percussão", elogia. Com relação a Walter, que normalmente é lembrado por ter sabotado sua carreira no auge – já nos Estados Unidos – ou pelos espancamentos na mulher (a cantora Isaurinha Garcia), Palma é só elogios e os justifica. "Gravei dois LPs com ele pela A&M (Moon Dreams e When It Was Done) e toquei com ele em shows. O Walter morreu de câncer! Tudo isso que falam dele faz parte de uma visão cabocla do brasileiro. Porque se o cara sai daqui e vai para os EUA fazer carreira, ele não presta. Já vão dizendo logo: ‘Sérgio Mendes é um f.d.p.... Tom Jobim nunca ajudou ninguém...’ Querem até pegar até o Pelé para Cristo de qualquer maneira! No Brasil, ser bonito, rico e famoso é pecado mortal. Ora, eu toquei com o Walter e enchemos o Hollywood Bowl, o que é que você quer mais?"
Bossa rica
Entre as lendas da MPB com quem João Palma trabalhou está Maysa. Gravaram juntos o famoso álbum ao vivo da cantora na Elenco, em 1964. Dela, também guarda as melhores recordações. "Como qualquer grande artista, ela tinha uma sensibilidade à flor da pele. Eu, com Maysa, só tive ótimos tempos. Ela chamava todos os conjuntos que trabalhavam com ela de ‘meus garotos, meus filhos’. Como ela tinha sido casada com um milionário, o padrão de vida dela era alto. A gente ia para a Argentina e ela exigia Mercedes Benz e hotel cinco estrelas. Dizia para os músicos: ‘Desçam nas butiques e comprem o que quiserem!’ Perguntava a cada músico: ‘Quanto querem receber no show?’ e virava-se para o secretário dela e ele nos dava o dinheiro. Porque a bossa nova era música de rico", diz com seu jeitão espirituoso.
Palma, por sinal, acha que a história da bossa anda sendo deturpada. "Conheci João Gilberto em 50. Ele veio para a casa de um tio que era meu vizinho. Essa história de dizer que a bossa nova nasceu na casa da Nara Leão é folclore porque ninguém sabe como começa ou como vai acabar um movimento musical. A bossa nova foi uma música que a juventude sadia, de classe média alta, que morava em Copacabana desenvolveu. Mas é preciso lembrar que as boates todas daquela época se concentravam no bairro e que, para elas, vieram músicos de todos os estados do país. O Sivuca veio do Nordeste trabalhar na Mayrink Veiga, recomendado pelo Guerra Peixe, depois foi tocar no Jirau. Aliás, foi o Sivuca quem ensinou o Walter Wanderley a tocar órgão nos bares de Pernambuco, e ele depois também veio para cá. O Ed Lincoln era cearense e veio também tocar aqui... Enfim, eram pessoas de várias partes do país que tinham o mesmo gosto e se encontraram naquele bairro produzindo um som diferente".
Música de liquidificador
Sempre muito crítico com tudo que está a sua volta no Brasil, até por viver muitos meses do ano fora do país, ele vê com ressalvas a música produzida no país atualmente. "Hoje não existe música, o brasileiro perdeu a essência. É preciso oficializar o samba no conservatório. As pessoas andam tocando ele e o baião do mesmo jeito, não têm mais noção dos estilos. É uma mistureba, uma música de liquidificador, que ninguém sabe direito o que é", analisa. Palma também acha um absurdo haver no Brasil um choque entre a Ordem e o Sindicato dos músicos. "Um não se dá com outro, isso é um absurdo total! Então, ficam essas tabelas malucas que o músico é obrigado a aceitar. Na América e na Europa se o contratante der o cano no músico, ele vai ter que se ver com os bancos. Aqui, você faz o show numa boate e te pagam 10 dias depois com cheque dos clientes. Se estiver sem fundos, são mais não sei quantos dias até acertar tudo. E tem mais: o cachê dos músicos lá fora é proporcional ao tamanho da casa de shows." Palavras de um músico tarimbado e consciente.
A carreira internacional do baterista começou quando ele estava fazendo um show na boate carioca Zum Zum, com Vinicius de Moraes e Dorival Caymmi, quando esse último recebeu um convite do versionista Ray Gilbert para se apresentar no programa do cantor Andy Williams. "Fui para os Estados Unidos em 1965 para trabalhar com Dorival Caymmi e Sérgio Mendes (no grupo Brasil 66, com o qual gravou três discos). Depois, trabalhei com Walter Wanderley, Astrud Gilberto e também com Liza Minnelli e vários jazzistas", enumera.
Palma diz que embora o Brasil não preze essa tradição, ele já fez diversos shows solo, só com a bateria. "Tem amigos meus no mundo inteiro fazendo shows solo de sax alto, violoncelo... Por que eu não faria de bateria? Eu dou videoaulas, workshops... Acontece que o Brasil é o país do cantor, por isso minha carreira foi feita nos Estados Unidos. Meus shows são intitulados João Palma e Convidados. Os empresários americanos me chamam Sir Butterfly porque estou sempre voando. Não quero amarras. Não quero me prender a um grupo ou cantor específico. Mas aqui no Brasil eles não entendem que o baterista pode ser líder de conjunto", resmunga, com toda razão.
"Sou brasileiro de Primeiro Mundo"
Ser respeitado pelos maiores músicos e bateristas do mundo não é para qualquer um. João Palma ostenta um currículo riquíssimo, quase impossível de se levantar gravação por gravação. Quando é perguntado sobre o que sentiu ao gravar ao lado de mitos, como Frank Sinatra (Sinatra & Company), ele responde sem deslumbramentos. "Acho que foi uma coisa forte para ele. Sou brasileiro de primeiro mundo! Esse negócio de ficar de joelhos para os outros não é comigo! Sou PhD master de teoria musical", conta. Segundo ele, antes de Tom e Sinatra gravarem o disco, o americano fez uma turnê, na qual Sérgio Mendes & Brasil 66 eram o número de abertura. Um dia, o baterista de Sinatra passou mal no meio do show e João acabou assumindo as baquetas até o final do espetáculo. "O Sinatra ficou louco comigo! Foi aí que ele chegou e me perguntou: ‘Será que o Jobim gravaria comigo?’ Ele achava o Tom melhor que Cole Porter que todo mundo... Ora, ele dizia para o Tom: ‘Se eu tivesse irmão, seria você’. Ele levava o Tom até na casa dele em Nevada! É por isso que eu digo que o brasileiro tem que se valorizar!", ensina. Com Jobim, por sinal, o baterista gravou discos célebres, como Tide, Stone Flower, Matita Perê e Urubu.
João Palma fala com o maior orgulho de seus colegas de geração, como o percussionista Airto Moreira e o organista Walter Wanderley. "Foi por meu intermédio que o Airto tocou no Stone Flower. Acreditei nele e o indiquei para a gravadora CTI. Porque vi logo que ele era um virtuose da percussão", elogia. Com relação a Walter, que normalmente é lembrado por ter sabotado sua carreira no auge – já nos Estados Unidos – ou pelos espancamentos na mulher (a cantora Isaurinha Garcia), Palma é só elogios e os justifica. "Gravei dois LPs com ele pela A&M (Moon Dreams e When It Was Done) e toquei com ele em shows. O Walter morreu de câncer! Tudo isso que falam dele faz parte de uma visão cabocla do brasileiro. Porque se o cara sai daqui e vai para os EUA fazer carreira, ele não presta. Já vão dizendo logo: ‘Sérgio Mendes é um f.d.p.... Tom Jobim nunca ajudou ninguém...’ Querem até pegar até o Pelé para Cristo de qualquer maneira! No Brasil, ser bonito, rico e famoso é pecado mortal. Ora, eu toquei com o Walter e enchemos o Hollywood Bowl, o que é que você quer mais?"
Bossa rica
Entre as lendas da MPB com quem João Palma trabalhou está Maysa. Gravaram juntos o famoso álbum ao vivo da cantora na Elenco, em 1964. Dela, também guarda as melhores recordações. "Como qualquer grande artista, ela tinha uma sensibilidade à flor da pele. Eu, com Maysa, só tive ótimos tempos. Ela chamava todos os conjuntos que trabalhavam com ela de ‘meus garotos, meus filhos’. Como ela tinha sido casada com um milionário, o padrão de vida dela era alto. A gente ia para a Argentina e ela exigia Mercedes Benz e hotel cinco estrelas. Dizia para os músicos: ‘Desçam nas butiques e comprem o que quiserem!’ Perguntava a cada músico: ‘Quanto querem receber no show?’ e virava-se para o secretário dela e ele nos dava o dinheiro. Porque a bossa nova era música de rico", diz com seu jeitão espirituoso.
Palma, por sinal, acha que a história da bossa anda sendo deturpada. "Conheci João Gilberto em 50. Ele veio para a casa de um tio que era meu vizinho. Essa história de dizer que a bossa nova nasceu na casa da Nara Leão é folclore porque ninguém sabe como começa ou como vai acabar um movimento musical. A bossa nova foi uma música que a juventude sadia, de classe média alta, que morava em Copacabana desenvolveu. Mas é preciso lembrar que as boates todas daquela época se concentravam no bairro e que, para elas, vieram músicos de todos os estados do país. O Sivuca veio do Nordeste trabalhar na Mayrink Veiga, recomendado pelo Guerra Peixe, depois foi tocar no Jirau. Aliás, foi o Sivuca quem ensinou o Walter Wanderley a tocar órgão nos bares de Pernambuco, e ele depois também veio para cá. O Ed Lincoln era cearense e veio também tocar aqui... Enfim, eram pessoas de várias partes do país que tinham o mesmo gosto e se encontraram naquele bairro produzindo um som diferente".
Música de liquidificador
Sempre muito crítico com tudo que está a sua volta no Brasil, até por viver muitos meses do ano fora do país, ele vê com ressalvas a música produzida no país atualmente. "Hoje não existe música, o brasileiro perdeu a essência. É preciso oficializar o samba no conservatório. As pessoas andam tocando ele e o baião do mesmo jeito, não têm mais noção dos estilos. É uma mistureba, uma música de liquidificador, que ninguém sabe direito o que é", analisa. Palma também acha um absurdo haver no Brasil um choque entre a Ordem e o Sindicato dos músicos. "Um não se dá com outro, isso é um absurdo total! Então, ficam essas tabelas malucas que o músico é obrigado a aceitar. Na América e na Europa se o contratante der o cano no músico, ele vai ter que se ver com os bancos. Aqui, você faz o show numa boate e te pagam 10 dias depois com cheque dos clientes. Se estiver sem fundos, são mais não sei quantos dias até acertar tudo. E tem mais: o cachê dos músicos lá fora é proporcional ao tamanho da casa de shows." Palavras de um músico tarimbado e consciente.