A bossa nova em duas séries de CDs

Coletânea tripla da Som Livre Direct é mais interessante que a série de cinco CDs do recém-criado 3 na Bossa, produzida por Roberto Menescal

Rodrigo Faour
05/04/2001
Tom Jobim sempre se queixava dizendo que o rock era mais velho que a bossa nova e nem por isso era chamado de ultrapassado. De fato, sempre houve muita birra do brasileiro com relação ao gênero criado pelo maestro, junto com Vinicius de Moraes e João Gilberto. Felizmente, de uns tempos para cá, muitos jovens vêm se interessando pela bossa - sejam músicos ou apenas apreciadores, o que tem estimulado as gravadoras a fazer uma série de lançamentos.

Entre os mais recentes, temos a caixa de CDs da Som Livre Direct (com os volumes 1 amostras de 30s, 2 amostras de 30s e 3 amostras de 30s), que traz 50 bossas eternas, em gravações representativas, cedidas pelas principais gravadoras - é uma das raras boas coletâneas de bossa atualmente no mercado. Já o incansável Roberto Menescal produziu para a Abril Music uma série de cinco CDs instrumentais intitulados 3 na Bossa, que também acaba de desembarcar na lojas, com novas interpretações dos maiores sucessos do movimento (um dos CDs traz somente standards internacionais em versões bossanovísticas, tais como Rhapsody in Blue, The Man I Love e Night and Day).

O Melhor da Bossa Nova vai fazer a alegria daqueles que pagam caro pelos raros vinis do movimento, cotados a peso de ouro nos sebos da vida. É claro que tem gravações manjadas, como a (maravilhosa, é verdade!) Águas de Março com Elis Regina e Tom Jobim. Mas a grande maioria das faixas não são nada comuns de se encontrar nos paus de sebo de bossa nova que gravadoras como a Universal (ex-Polygram e ex-Philips) cansaram de lançar ano após ano. Em geral, são gravações representativas da época da explosão do movimento, apesar de não trazer as deliciosas raridades de uma A Trip to Brazil, série de dois CDs duplos editada no exterior pelo pesquisador Arnaldo DeSouteiro.

Gerações diferentes unidas pela sofisticação
Embora intérpretes de gerações diferentes estejam mesclados nos três CDs, pode-se dizer que esta coletânea faz justiça aos chamados precursores do movimento. Ou seja, gente que já fazia um som mais cool nos anos 40 e 50, renovando o samba e o samba-canção sem saber que aquilo já era uma bossa nova. E essa turma é bastante numerosa. Se a coletânea não abre espaço para todos, pelo menos lembra - bem lembrado! - de alguns nomes importantes, como Dick Farney (Este Seu Olhar e O Amor em Paz, esta em duo com Claudette Soares), Johnny Alf (Céu e Mar e Rapaz de Bem), Agostinho dos Santos (Manhã de Carnaval e Telefone), Maysa (Se Todos Fossem Iguais a Você e O Barquinho), Silvia Telles (Dindi e Se É Tarde Me Perdôa), Tito Madi (Eu Sei que Vou Te Amar) e Os Cariocas (Garota de Ipanema e Ela É Carioca).

Soma-se a essa turma o pessoal que participou das origens do movimento, como Roberto Menescal (Saudade Fez um Samba e Ah! Se Eu Pudesse), Carlos Lyra (Marcha da Quarta-Feira de Cinzas, Minha Namorada e Influência do Jazz), Tom Jobim (Só Tinha de Ser com Você em dueto com Elis Regina, Wave e Samba do Avião, esta com Miúcha), Vinicius de Moraes (Samba da Bênção, Apelo - esta com Toquinho e Bethânia) e Leny Andrade (Samba de uma Nota Só). Alguém pode sentir falta de João Gilberto, mas suas gravações mais clássicas não podem ser reeditadas por problemas judiciais.

Em 62, Baden Powell conheceu Vinicius e começou a se engajar no movimento (Deixa, com Maurício Einhorn, e Berimbau). Depois de 64, entram em cena Wanda Sá (com o marco Vagamente e Vivo Sonhando), Nara Leão (Outra Vez e um medley com Corcovado e Insensatez), Marcos Valle (Preciso Aprender a Ser Só e Terra de Ninguém, esta ao lado dos Golden Boys), Sérgio Mendes (Só Danço Samba), Zimbo Trio (Balanço Zona Sul) e Silvio César (Pra Você).

Ainda na geração dos anos 60, Geraldo Vandré (Quem Quiser Encontrar o Amor, Samba em Prelúdio - esta com a sumida Ana Lúcia) e Wilson Simonal (Lobo Bobo) começaram suas carreiras deglutindo bossas, para depois partirem para outros rumos musicais. Vários nomes revelados nos festivais da canção que sempre incluíram bossas nos seus repertórios completam a série: Quarteto em Cy (Canto de Ossanha), Nana Caymmi (Inútil Paisagem, em dueto luxuoso com o pai Dorival), Márcia (Eu e a Brisa), Joyce (Triste), Caetano Veloso (Samba de Verão, sucesso na trilha sonora da novela Laços de Família, em fonograma gravado para o Songbook Marcos Valle, há três anos) e Gal Costa (Bonita, Estrada do Sol e Desafinado). De quebra, a caixa O Melhor da Bossa Nova traz todas as letras das canções e, no geral, bons textos assinados por Jardo Nerica, contextualizando cada artista e/ou música.

3 na bossa cai na armadilha easy listening
Se a caixa da Som Livre Direct aposta em gravações representativas do movimento, o projeto do grupo 3 na Bossa, da Abril Music, produzido por Menescal escorrega no campo da redundância (ouça trechos dos volumes 1 ouvir 30s, 2 ouvir 30s, 3 ouvir 30s, 4 ouvir 30s e 5 ouvir 30s). Pelas capas e contracapas o consumidor não vai descobrir quem são esses três da Bossa. Mas no encarte, ele saberá que são o pianista Edmur Hebter, a baixista Elaine do Valle (que percorrem há anos a noite paulistana tocando juntos, segundo informa o texto) e o baterista Toninho Pinheiro (ex-Jongo Trio e ex-SomTrês). O próprio Menescal aparece como participante especial em diversas faixas, completando a cozinha.

Acontece que o clima dos cinco discos do 3 na Bossa é de piano-bar total. Um easy listening recomendável apenas a casais que pretendem receber amigos em casa para o almoço de domingo ou, vá lá!, o jantar de sábado. Nada que acrescente muito aos rebatidos clássicos da bossa. Os cinco CDs trazem títulos bilíngües e quatro deles apenas distribuem os maiores standards do movimento sem maior imaginação - seja no agrupamento das canções em cada CD ou nos arranjos. O mais interessante dos discos são os pequenos textos de Ruy Castro (autor do livro Chega de Saudade, sobre a história da bossa), presentes no encarte de cada um dos cinco volumes, além do fato de cada disco possuir uma faixa em CD-Rom, com o vídeo da gravação de uma música - Watch What Happens (CD 1), Preciso Aprender a Ser Só (CD 2), Bossa na Praia (CD 3), Batida Diferente (CD 4) e Você (CD 5).

Por enquanto, essas duas séries de CDs - especialmente O Melhor da Bossa Nova - servem apenas de alento. As gravadoras precisam se mancar e relançar em CD os álbuns fundamentais dos principais artistas da bossa nova em CD - Carlos Lyra, Leny Andrade, Os Cariocas, Silvia Telles e tantos outros. Aí sim se poderá dizer que se fez justiça à bossa.