A Divina, A Enluarada, A Magnífica

Elizeth Cardoso imortalizou clássicos da MPB, embora nem sempre tivesse tido a chance de lançá-los

Rodrigo Faour
14/07/2000
Não foram poucos os apelidos e títulos carinhosos que Elizeth Cardoso ganhou ao longo da vida. A Divina, A Enluarada, A Magnífica... De fato, muitos a consideram até hoje uma das maiores cantoras, senão a maior, que o país já teve. Mas não foi logo de cara que Elizeth emplacou. A partir de fins dos anos 30, fez revistas musicais no teatro. Foi cantora de dancings – já que como dançarina não conseguia nada – e passou por diversas rádios, entre elas Cruzeiro do Sul, Educadora, Transmissora e Guanabara. Só conseguiu chegar ao disco, em 1950. Mesmo assim, foi o lado B do seu segundo 78 rpm que a consagrou: Canção de Amor, de Chocolate e Elano de Paula.

Seguiram-se muitas gravações na Todamérica e na Continental até que, na Copacabana – gravadora em que passou a maior parte de sua carreira – Elizeth obteve seus maiores êxitos, especialmente a partir do LP Noturno (1957), somente com clássicos da MPB, como Na Baixa do Sapateiro, Risque, Chove Lá Fora, Feitiço da Vila, Promessa, Chão de Estrelas e a antológica Noturno (Em Tempo de Samba), de Custódio Mesquita e Evaldo Ruy. A partir daí, até o final dos anos 50, ele reinou. Em 1958, Elizeth lançou o cultuado disco Canção do Amor Demais, só com as clássicas parcerias de Tom e Vinicius, precursoras da bossa nova. Mais tarde, ela gravaria outros bons discos como Retrato da Noite (no mesmo ano) e A Meiga Elizeth (60) – esses recém-relançados em CD no formato dois (LPs) em um (CD).

Em 65, Elizeth teve o mérito de cantar as Bachianas de Villa-Lobos no Municipal do Rio e de resgatar os grandes sambistas cariocas em Elizeth Sobe o Morro, prova do seu ecletismo. Foi nesse disco que realizou a primeira gravação de uma música de Paulinho da Viola: Minhas Madrugadas, parceria com Candeia. "Devo muito a Elizeth. Ela sempre se mostrou uma pessoa muito carinhosa", diz Paulinho.

No ano seguinte, já gozando do sucesso de seu programa Bossaudade, ao lado de Cyro Monteiro, gravou o LP A Eterna Bossa de Elizeth e Cyro, e o ótimo Muito Elizeth, que veio com as músicas Mundo Melhor, Meiga Presença, Cidade Vazia e Apelo. Era um momento em que Elizeth misturava velhas bossas com as novas – especialmente as da lavra de Baden Powell e Vinicius de Moraes, dupla que se tornaria onipresente em seu repertório, junto com alguns emergentes compositores da época, como Francis Hime, Chico Buarque, Gilberto Gil, Maurício Tapajós, Eumir Deodato, Toquinho, Milton Nascimento e Edu Lobo.

Em plena era dos festivais da canção, em que a MPB revelou tantos nomes de peso, viria um LP unindo a ala renovadora à tradicional. Era o histórico álbum Elizeth, Jacob do Bandolim e Zimbo Trio ao Vivo (68), feito para angariar fundos pra o Museu da Imagem e do Som, do Rio, e produzido por Hermínio Bello de Carvalho – responsável por diversos discos de Elizeth. No mesmo ano, ela gravaria também o bom LP Momento de Amor (Derradeira Primavera, Pra Você, Carolina). Vieram em seguida discos com o Zimbo Trio, Cyro Monteiro e até Silvio Caldas. A partir dos anos 70, a carreira de Elizeth, como a de todos seus contemporâneos da Era do Rádio, lentamente, começou a declinar. Seu público fiel, porém, nunca deixou de prestigiá-la. Inclusive no exterior, já que ela excursionou por diversos países, como Argentina e Japão.

Elizeth, no entanto, mesmo peregrinando de gravadora em gravadora nos últimos anos de sua carreira, gravou até morrer. Nem sempre canções à altura de sua voz ou com o tratamento instrumental adequado – pois a Copacabana, onde passou a maior parte de sua carreira, nem sempre gastava o que a cantora merecia na produção de seus discos (e sua fase inicial na Todamérica era composta de repertório equivocado). E mesmo sem ter tido a oportunidade de ser a lançadora da maioria de seus sucessos, acabou imortalizando a maioria dos clássicos da MPB de seu tempo.

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