A eletrônica ao alcance da MPB

Márcio Lomiranda, novo darling da produção musical, que trabalhou com um time que vai de Ivan Lins a Sandy & Júnior, defende o uso das novas tecnologias e prepara o primeiro CD de sua banda Eletro Fluminas

Rodrigo Faour
11/10/2000
Seu nome ainda não é tão conhecido. Mas fuçando os encartes dos discos de tudo quanto é artista da MPB você vai encontrar seu nome nos créditos: Márcio Lomiranda. Elogiado recentemente por nomes do calibre de Ivan Lins e Leila Pinheiro, ele finalmente começou a ser mais notado. Seu trabalho, contudo, não vem de hoje. Márcio é o autor dos arranjos (de base, principalmente) e programações eletrônicas de vários discos, como o de Gilberto Gil junto com Milton Nascimento (que está para ser lançado) e os de Alceu Valença, Marina Lima, Sandra de Sá, Cássia Eller, Roberta Miranda, Sandy & Junior, Zélia Duncan, entre tantos outros dos mais variados estilos. Paralelamente, ele investe em seu trabalho como artista da banda eletrônica Eletro Fluminas – que foi a vencedora da quarta eliminatória da Escalada do Rock (concurso que visa a escolher oito novas bandas para tocar no Rock in Rio 3, em janeiro). Fora isso, ainda arruma tempo para fazer a produção musical de diversos programas da TV Globo e para produzir artistas. Pretende lançar até o ano que vem duas bandas novas de pop e rock.

Márcio Lomiranda está com 43 anos de idade e mexe com música desde os cinco, quando começou a estudar piano clássico em Divinópolis, interior de Minas Gerais. Depois fez universidade de música e se mudou para o Rio, onde reside há 20 anos. Aos poucos, foi enveredando pelo lado de arranjador – está há cerca de dez anos na equipe do veterano produtor Guto Graça Mello. "Trabalhei cinco anos com a Marina na época dos discos Marina Lima e O Chamado, trabalho há dez anos com Alceu Valença, fiz os últimos cinco discos da Sandra de Sá, o CD que estourou a Zélia Duncan (o homônimo, de 1994)... a minha especialidade é criar sons, a coisa rítmica, do arranjo de base, da estrutura da música", conta ele que se diz sem preconceitos estéticos, trabalhando com um time que vai de Cássia Eller a Roberta Miranda, de Paulo Ricardo a Fat Family, como uma espécie de novo Lincoln Olivetti (que, por sinal, é seu ídolo). O importante para ele é modernizar sem distorcer o trabalho dos artistas.

Costureiro eletrônico
"Meus últimos arranjos foram para discos de Banda Eva, Família Lima, Ivan Lins, Leila Pinheiro e Eliana (risos). Não tenho problema com essa variedade. O arranjador é que nem o costureiro, trabalha sempre respeitando o corpo do cliente", ensina. É exatamente essa mentalidade sem preconceitos estéticos que domina na banda Eletro Fluminas, formada por Márcio (teclados, programação e vocal), Taryn Kern Szpilman (vocal) e Paulo Rafael (guitarra e violão, veterano da banda de Alceu Valença) – cujo nome quer dizer algo como "rios eletrônicos". "Na realidade, o nome é uma brincadeira com uma coisa meio mística. Tem a ver com o fato de Taryn ser judia e natural do Rio, ou seja, fluminense, e eu de Minas. O Super Flumina é um salmo que os judeus cantavam com saudades da terra. Inclusive o Camões escreveu um poema a respeito, o Super Flumina Babylonis. Isso também é o nome de um canto coral que eu cantava no conservatório de música", justifica ele, que acumula um misto de influências musicais do mundo inteiro, sem a preocupação de criar um som brasileiro.

"A gente toca aquilo de que a gente gosta. E nossa música tem uma característica mais suingada. As programações eletrônicas dos brasileiros são diferentes de qualquer coisa que você ouvir no mundo inteiro, porque isso faz parte da nossa musicalidade, que vem mesmo da mistura do africano com índio e português. Usamos exatamente as ferramentas que os DJs usam, mas como temos formação de músicos também fica um negócio mais harmônico, tem melodias", explica. O Eletro Fluminas se dá ao luxo de misturar Black Dog (Led Zeppelin) com Sol e Chuva (Alceu Valença) numa espécie de coco eletrônico, ou reler Ela e Eu (Caetano Veloso), Beware of Darkness (George Harrison) ou What The World Needs Now (Burt Bacharach/ Hal David). Também entram no repertório composições próprias, como Nightie Night (Lomiranda/ Rafael), já gravada por Marina.

"Gosto de desmistificar a coisa do aparato eletrônico. Se ele for mal usado será tão ruim quanto um piano acústico mal tocado. As pessoas esquecem que o computador não faz nada se não tiver a mão do músico", explica ele, que gosta tanto de trabalhar no instrumento em si quanto no computador. Márcio diz isso com a autoridade de quem acompanhou toda a evolução da música eletrônica, já que se iniciou nessa praia nos anos 70. "Os sintetizadores nessa época eram precários e caríssimos. Como não tinha acesso ao sintetizador, pegava pedais de guitarra e colocava no órgão", conta. Ele explica que aprendeu muito com Keith Emerson (tecladista do Emerson, Lake & Palmer, que fez muitos experimentos para o Bob Moog, inventor do sintetizador mini-moog), Tangerine Dream, Walter Carlos (que antes de mudar de sexo – hoje é Wendy Carlos – fez um disco chamado Switched on Bach, com temas clássicos tocados no mini-moog) e outros, mas admite que a base de tudo é realmente o grupo alemão Kraftwerk. "Essa foi a única banda que chegou ao state of art na música eletrônica. Eles são os papas mesmo. Muito do que se ouve hoje se deve muito a ela, inclusive à dance music..."

"Não tenho medo de música"
O que revolucionou o trabalho de pessoas como Márcio, hoje, foi o barateamento dos equipamentos eletrônicos. Em seus experimentos ele produz um som modernizante da mesma forma que Lincoln Olivetti o fez nos anos 80. Acontece que esse último acabou criando uma sonoridade um pouco datada. Será que Márcio tem medo de que daqui a alguns anos isso também aconteça com ele? "Não tenho medo de música. Eu tenho a melhor profissão do mundo. Divirto-me o tempo todo e ainda me pagam", garante. Ele diz que se moderniza até por causa dos seus quatro filhos músicos. "Estou sempre me modernizando e vendo as coisas que vão rolar daqui a dez anos. E eles me apresentam coisas também: um é DJ, outro é baixista, tem ainda um guitarrista e um pianista. Cada um gosta de uma onda e a gente bate bola" .

Entre seus planos mais imediatos estão o de produzir com seu parceiro Paulo Rafael duas bandas novas (Gotham e Elas por Ela, essa formada só de mulheres), finalizar o CD de estréia de sua banda, preparar a apresentação que essa fará em novembro para disputar a final da Escalada do Rock. Mais para o futuro pretende repetir a experiência de trabalhar com Wagner Tiso, que conheceu quando atuaram no CD Crooner de Milton Nascimento. "Foi uma experiência maravilhosa porque a gente é mineiro e nunca tinha trabalhado juntos. Pretendemos gravar um CD sinfônico-eletrônico. Ele com a parte sinfônica e eu com a eletrônica. A gente só está esperando um tempinho porque nós dois trabalhamos muito", antecipa.