A emoção de Flora Purim na volta ao Brasil

Cantora radicada nos EUA há mais de 30 anos faz sua mais longa turnê brasileira, e lança o álbum Speak No Evil

Milo Trugoy (SP)
03/07/2003
Foram mais de oito anos de ausência. Ícone de uma certa música brasileira (muito) mais conhecida no exterior do que por aqui, Flora Purim está em sua terra natal mais uma vez, empreendendo a mais extensa turnê nacional de sua carreira - depois de fazer shows no Rio de Janeiro e seguir em temporada até o próximo fim de semana em São Paulo, no Teatro do Sesc Vila Mariana, a cantora ainda fará escalas em Recife (9 de julho), Garanhuns (PE, em 10 de julho) e Florianópolis (18 de julho), além de um possível show em Fortaleza. É o suficiente para matar as saudades, tanto as de Flora quanto as do público brasileiro?

"Não me apresento aqui desde 95, mas visito regularmente o País. Perdi minha mãe há dois anos e isso acabou me aproximando mais do restante da família que vive aqui", narra Flora. Radicada nos EUA desde o fim dos anos 60, e desde então consagrada como a principal voz do Brazilian Jazz no exterior, a cantora conta que vem "sentindo o terreno" para estender seus laços profissionais no Brasil. "Estou conhecendo novamente as condições de trabalho aqui", diz Flora. "Mantenho um apartamento em São Paulo e estou amadurecendo a idéia de gravar meu próximo disco em estúdio brasileiro, acompanhada por músicos nacionais."

A cantora relata que a vontade de reaproximação é recíproca; segundo ela, uma agradável surpresa. "Tenho uma agenda muito corrida e o reconhecimento internacional do meu trabalho me faz viajar o mundo com minha música. Sinceramente, não imaginava que existisse platéia no Brasil para o tipo de coisa que fazemos mas então, comecei a receber muitos e-mails, principalmente do interior das capitais, de pessoas que já haviam assistido nosso show lá fora, querendo saber quando viríamos para cá", resume Flora.

Para seus primeiros shows em solo brasileiro desde 1995, Flora não economizou no gabarito. O marido e parceiro Airto Moreira (percussão), presente em toda a carreira da cantora, veio junto, carregando os craques Luiz Avellar (piano), Nei Conceição (contrabaixo) e Felipe Baden (teclados). "É um espetáculo também dedicado aos músicos", diz Flora, justificando as alentadas viagens instrumentais que têm marcado os shows da turnê. O clima é totalmente jazzistico, opção justificada por Flora em nome da coerência artística. "Resolvi não fazer nada diferente do que venho fazendo. Se dedicasse o espetáculo por exemplo à música brasileira, não estaria sendo fiel ao que faço", diz a cantora. Entretanto, como o próprio Airto já disse, trata-se de um show "emocional", sem a cerebralidade e o virtuosismo vazio que pode contaminar o jazz clássico.

A turnê de Flora Purim torna-se mais marcante por causa do lançamento de Speak No Evil, que acaba de ser lançado no Brasil pelo selo Narada Jazz, com distribuição da Virgin/Emi Records. É o primeiro lançamento simultâneo no Brasil e no exterior na discografia de Flora. "Os discos antes só chegavam importados, ninguém achava os CDs para comprar", diz a cantora. O repertório de Speak No Evil tem dominado as apresentações. "Esse disco tem um equlíbrio bom entre a raiz brasileira da minha música e o universo jazzístico com o qual eu convivo nos EUA", opina Flora. Daí a presença de temas americanos, de Cole Porter (I've Got You Under My Skin), George Gershwin (It Ain't Necessarily So) e do saxofonista de jazz Wayne Shorter (Speak No Evil), equilibradas com canções como Tamanco no Samba (Egberto Gismonti), O Sonho (Elton Menezes e Orlan Divo) e Primeira Estrela (Airto).

Além deste repertório, músicas dos dois discos anteriores de Flora, Perpetual Emotion (2001) e Flora Purim Sings Milton Nascimento (2002), este último dedicado à obra do compositor mineiro. "Esses discos ficaram praticamente inéditos no Brasil. E dão uma boa amostra do que eu faço, da música que gosto de cantar. Quero fazer uma retrospectiva destes últimos 30 anos e acho apresentar meu trabalho também para as novas gerações que não tem acesso fácil a ele", diz a cantora.

Mesmo com a vontade de tornar sua música mais visível no Brasil ("Minha gravadora dá a maior força", diz ela), Flora Purim ainda precisa se inteirar mais nas peculiaridades do mercado musical local. "Acho que ainda há pouco espaço para artistas que fazem o tipo de coisas que fazemos", fala, referindo-se a si mesma e à sua banda. "Hoje tudo é muito pop, muito calcado no visual, na moda." Apaixonada pela MPB tradicional, Flora fala que, aos poucos, toma contato com o que se faz atualmente na música brasileira. "Acompanho, mas não muito de perto. Recebo discos e material de pessoas pedindo minha opinião e tenho ouvido coisas muito boas", diz, sem eleger nomes.