A eterna batalha dos exércitos musicais

Explorando a vanguarda do contraste entre os instrumentos ou investindo no filão tradicional dos bailes e gafieiras, as orquestras de música popular constróem, apesar das dificuldades, uma história da música brasileira

Nana Vaz de Castro
12/09/2000
A tradição da música instrumental brasileira prima pela qualidade e pela falta de reconhecimento. No exterior, há divulgação e público, mas para quem fica no Brasil tudo é mais difícil. Gravadoras não se interessam. Rádios, com honrosas exceções, nem tomam conhecimento dos discos.

A sonoridade cheia e atraente das orquestras e big bands é o grande atrativo para quem se dispõe a encarar a empreitada, e fala mais forte do que as dificuldades inerentes a qualquer atividade com mais de dez pessoas. "O grupo só faz sentido grande mesmo com essa sonoridade diferente", diz Roberto Stepheson, arranjador do Sembatuta (4 sopros, 2 violões, cavaquinho, violino, contrabaixo, bateria e acordeom). Contam muito também as possibilidades de arranjos, que permitem que se trabalhe com naipes de cordas, metais, sopros e base.

O experiente Roberto Gnattali, atualmente à frente da Orquestra Popular de Curitiba, dirigiu por sete anos a Orquestra de Música Brasileira. O que começou como uma simples oficina na escola de música RioArte tornou-se um conjunto sólido, que chegou a gravar um disco e a se apresentar em duas edições do Free Jazz Festival em 1988 e 1991. Com espetáculos performáticos, em que os músicos se fantasiavam, maquiavam e atuavam, além de tocar, a Orquestra chegou a um ponto em que "não tinha mais para onde crescer", como diz Gnattali. A produção ficou caríssima, e incluía maquiadores, camareiras, cabeleireiros, cenógrafos e até um caminhão para levar todo o material.

No final das contas, o grupo – que começara com cerca de 30 músicos em início de carreira, estudantes e amadores – já havia se profissionalizado, e as exigências mudaram, assim como as expectativas, os cachês etc. Para piorar a situação, veio o Plano Collor, que cancelou todos os contratos que o grupo havia assinado. A orquestra terminou, mas muitos de seus ex-integrantes e arranjadores estão aí até hoje, como Marcos Suzano, Bia Paes Leme, Adriano Giffoni, Jaime Vignoli, Josimar Carneiro, Mário Sève, Lui Coimbra, entre outros. Roberto Gnattali foi convidado então para montar o orquestra do Conservatório de Música Popular de Curitiba, que coordena até hoje.

Residência Fixa
Outra proposta muito diferente era a do trombonista e arranjador Vittor Santos. Em 1999 ele conseguiu juntar a nata dos instrumentistas profissionais do mercado para formar a Vittor Santos Orquestra. Em um ano de atividade e 40 apresentações, a orquestra foi uma coqueluche. Tocou no Free Jazz Festival, em casas noturnas do Rio de Janeiro, foi tema de matérias em jornais e em praticamente todas as revistas especializadas, e teve ótima recepção por parte do público. "A primeira casa onde a Vittor Santos ensaiava [o bar Palpite Infeliz, no bairro carioca de Vila Isabel] agora tem uma noite semanal dedicada a orquestras", orgulha-se Vittor, que trabalha como arranjador de grandes grupos desde os 14 anos.

Além de contar com músicos consagrados, a orquestra – que atualmente está com as atividades suspensas – tinha como objetivo focar a atenção na música, não ser uma orquestra de baile, como a tradicional Orquestra Tabajara. "O que dá personalidade a uma orquestra são os arranjos, é a mão do arranjador", diz Vittor, que planeja reativar o trabalho no futuro.

No caso da Orquestra Popular de Câmara, de São Paulo, o fato de ter um lugar fixo para tocar, uma "sede", é fundamental. O grupo toca toda quarta no Supremo Musical. "É isso que mantém a orquestra viva", afirma o pianista Benjamim Taubkin. A caminho da gravação de seu segundo CD, a OPC explora a mistura da sonoridade entre instrumentos como bandolim, acordeom, violoncelo e piano à voz da cantora Mônica Salmaso. "Já tivemos convite para nos apresentar na Europa, mas porque o grupo é grande às vezes oferecem só a passagem, e acaba não valendo a pena", lamenta Taubkin.

As terças-feiras do Supremo são ocupadas por outra big band bem brasileira, a Banda Mantiqueira, oito anos de atividade, indicada ao Grammy em 1998 e lançando agora seu segundo disco, Bixiga. Todas essas orquestras remetem, de uma forma ou de outra, à lendária Orquestra Tabajara do maestro Severino Araújo, que veio da Paraíba e trouxe seus músicos para o Rio em 1945. Com mais de 12 mil apresentações no currículo, a Tabajara é a referência absoluta para orquestras de baile brasileiras que se aventuram numa gafieira. Com mais de 55 anos de atividade, a Tabajara e seu regente acabam de gravar mais um disco, ao lado do cantor Jamelão, velho parceiro de outros carnavais.

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