A eterna viagem de Pery Ribeiro

Cantor lança Boleros e Canções, investe no mercado norte-americano e relembra histórias de sua carreira

Antonio Abreu
26/11/2001
Pery Ribeiro (clique para ampliar)
Lá pelos idos de 1938, quando Carmen Miranda foi pela primeira vez aos Estados Unidos, ela voltou ao Brasil com a promessa de um empresário americano - que tinha gostado muito de sua performance e ficou de lhe enviar uma carta recheada de mais trabalho no exterior. Só que a tal carta não chegava nunca e Carmen estava ficando numa ansiedade louca. Até que uma amiga lhe sugeriu fazer uma promessa para que a bendita carta chegasse logo. Carmen teria que levar um bebê para casa e se ele fizesse xixi em sua cama, no dia seguinte a correspondência chegaria. A casa da Pequena Notável virou um verdadeiro berçário e nada do neném fazer xixi. Amiga da cantora Dalva de Oliveira, Carmen pediu se o seu filho podia passar uma noite em sua casa. “Olhe, Carmen, ele é uma criança”, ofendeu-se Dalva, que acabou concordando com a proposta, a princípio, absurda. O pequeno Pery mal chegou e Carmen enfiou-lhe pela goela abaixo uma verdadeira cascata de sucos, vitaminas, água e nada de xixi. Carmen começou a ficar desesperada e foi para a sala relaxar um pouco. Quando voltou ao quarto uma surpresa lhe aguardava. Pery tinha feito tanto xixi na cama e que seria preciso até trocar o colchão. Como promessa é promessa, no dia seguinte chegou a sonhada carta com o convite do empresário americano para fosse para os Estados Unidos tentar a sorte em Hollywood.

De certa forma, indiretamente, o cantor Pery Ribeiro contribuiu para que Carmen Miranda estourasse nos Estados Unidos. Agora, tantos anos depois, é Pery que está por lá tentando a sorte na terra do Tio Sam. Há quatro anos, acompanhado da esposa Ana Duarte, ele afivelou as malas e trocou o Brasil pela Flórida. “Não sei ficar parado. Sou muito ansioso”, confessa o cantor ,que resolveu chutar o pau da barraca em busca de melhores propostas de trabalho. “Na época não se tinha tanto lugar para trabalhar aqui no Brasil e parece que o quadro hoje em dia não se alterou nem um pouco. As casas de shows aqui foram fechando e as propostas desaparecendo. Antigamente, toda a semana tinha show em Porto Alegre, Belo Horizonte, Manaus, Salvador e Curitiba. Tudo isso foi minguando”, relembra Pery, que acaba de lançar seu quadragésimo trabalho: o CD Boleros e Canções, pela gravadora CID, com 14 faixas.

No novo disco, Pery tributa os pais Dalva e Herivelto e estréia cantando em espanhol. Ela comparece na faixa “Que sabes tu”, de Myrta Silva, com versão de Pedro Alfredo Moraes Lentino, e ele, através de “Recusa”, sucesso de Ângela Maria. “Minha mãe é muito lembrada, meu pai, talvez, um pouco menos. Tem sempre alguém em algum canto do Brasil reverenciando Dalva. Isso faz com que o nome dela continue e que mais tarde, lá pelo ano 2050, alguém saberá que existiu uma cantora chamada Dalva de Oliveira”. A respeito de sua insuspeitada veia latina, ele explica. “São boleros de grande qualidade, que ficaram esquecidos durante algum tempo e agora estão sendo resgatados como Cuatro Palavras (Frederico Baena), Dos Almas (Don Fabian) e Como És Posible (Concha Valdes Miranda)”.

A cidade da Flórida não é completamente desconhecida para Pery. Ele já esteve por lá quando cantou com o grupo Bossa Rio de Sergio Mendes em 1967. “Só que naqueles tempos, a Flórida era um resort de velhinhos aposentados. Saía para jantar, lá pelas 21h, e encontrava tudo fechado. A cidade não tinha cara de metrópole. Depois voltei a convite para fazer alguns shows e fiquei encantando com tudo. Hoje em dia Miami tem me proporcionado fazer espetáculos em cidades como Nova York e Boston. Era como se eu estivesse morando em Fortaleza...”, compara Pery que faz questão de dizer.

“Não saí do Brasil porque estava amargurado ou triste. Fui à luta em busca de melhores condições de trabalho e de qualidade de vida. A minha luta é que determina o meu estado de espírito. Estou no exterior como um representante digno da nossa música, que possui um eco muito grande lá fora. Hoje em dia se recebe, com mais carinho, a nossa MPB de peso e categoria. Refiro-me a expoentes como Vinicius de Moraes e Antonio Carlos Jobim, representantes de um período de ouro da nossa música. Não que a bossa nova esteja esquecida ou relegada a um patamar menos comercial ....”

E por falar em bossa nova, foi nela que Pery navegou com seus primeiros barquinhos. “Mas não freqüentava o tal apartamento da Nara Leão, embrião do movimento. Eu, Agostinho dos Santos, Dick Farney e Lucio Alves ficamos de fora da patota. Adotamos a bossa nova como algo nosso”, dispara Pery, o primeiro a cantar sucessos como Rio, Vagamente, Nós e o Mar, Você e logicamente O Barquinho, além de ter sido o intérprete primitivo de Garota de Ipanema, de Vinicius de Moraes e Tom Jobim.

Se a bossa nova lhe deu régua e compasso, no entanto, foi com uma música de Lupicínio Rodrigues (Há um Deus), sucesso de sua mãe, que Pery deu seus primeiros passos musicais num programa de Jacy Campos, na extinta TV Tupi no final dos anos 50. “Comecei minha carreira como camera-man na Tupi. Meu pai conhecia José de Almeida Castro, um dos diretores da emissora , e fez a ponte. Tanto meu pai quanto minha mãe tiveram uma influência espontânea na minha carreira. Lembro que a casa na Urca vivia apinhada de gente famosa. Sempre via Villa-Lobos, Orlando Silva, Pixinguinha, Nelson Gonçalves, Grande Otelo e Linda Baptista que varavam a noite lá em casa cantando e tocando. E eu não conseguia dormir, acordava de madrugada. As pessoas não iam embora. Muitas vezes, de manhã, eu tropeçava em alguns deles que dormiam pelo chão”, relembra Pery, do alto dos seus 41 anos de carreira.

Carreira esta que hoje sofreu uma guinada radical. “Comecei a pensar que a gente só vive uma vez. O meu conteúdo profissional não pode ser entregue ao desânimo e por isso não entrego os pontos, de maneira nenhuma. Se for preciso, vou carregar pedras no Afeganistão”, exagera. Boleros e Canções é direcionado para pessoas acima de 30 anos e que se encontram desatendidas pela mídia. “O que se tem para ouvir hoje em dia em uma estação de rádio? E para se vê na TV? Que fique bem claro que não sou contra a nada. Acho apenas que deveria haver espaço para todo mundo. Existe um público carente de obras que falem diretamente ao coração, como faziam antigamente Orlando Silva ou Francisco Alves. Por que não lembrar Miltinho, Elizeth ou Dalva de Oliveira?”, pergunta-se Pery , que lançou seu novo trabalho em uma temporada de um mês no Chiko´s Bar, na Lagoa, em novembro. Da Divina, por exemplo, Pery resgata Meiga Presença, de Otávio de Moraes e Paulo Valdez., um samba-canção que ganhou um tom abolerado.

Agora, até abril do ano que vem, Pery estará trancafiado em um navio. Pela terceira vez, ele vai cantar para os passageiros do Splendor of the Seas, num cruzeiro que sai de Fortaleza, percorre toda a costa brasileira até a cidade de Buenos Aires. “Foi um mercado que se abriu para o profissional que vive de música. Faço um show para cada turno de passageiros. Como já fiz este tipo de trabalho, já tenho um roteiro pronto daquilo que as pessoas gostam de ouvir. É claro que não pode faltar Ave Maria no Morro, de autoria de meu pai, porque é uma música muito forte e que encontra eco em tudo quanto é lugar. Relembro um pouco de bossa nova (Garota de Ipanema, Você, O Barquinho), canto Super-homem, do Gilberto Gil, alguma coisa do Caetano e do Djavan e logicamente algumas faixas do CD novo. Nele também resgato compositores mais recentes como Gonzaguinha em Começaria Tudo Outra Vez e a dupla Marcos e Paulo Sérgio Valle em Separação, sucesso de Simone nos anos 80”.

Dos artistas atuais, Pery não poupa elogios a Rosa Passos. “Ela tem um trabalho maravilhoso”. Se declara fã incondicional de Fátima Guedes e Leila Pinheiro e não esquece da amiga Leny Andrade, sua partner em Gemini V, show que ficou um ano e meio em cartaz no Porão 73 e depois no Teatro Princesa Isabel, com direção da dupla Miele e Bôscoli. Tanta repercussão acabou gerando um LP ao vivo, que se tornou um dos clássicos da bossa nova. “Acho Zeca Pagodinho um verdadeiro gênio e admiro o trabalho da dupla Arlindo Cruz & Sombrinha e do compositor Althay Veloso. E gosto pra caramba do Eduardo Dussek”. E Pery faz questão de encerrar o papo elogiando o trabalho de Ivan Lins. “Ele está seguindo a mesma trilha iniciada pelo Tom Jobim nos Estados Unidos. Tenho certeza que ele vai chegar lá”.