A folia triste dos Los Hermanos
Carnaval e melancolia se misturam no segundo álbum do grupo, Bloco do Eu Sozinho
Marco Antonio Barbosa
17/07/2001
Quem quiser categorizar os Los Hermanos não terá um trabalho fácil. Afinal, trata-se de uma banda que faz (ou pelo menos fazia) rock pesado, cantando canções românticas e melancólicas, mas que tinha como referência estética fundamental o samba e o carnaval carioca. Tudo isso - o carnaval, a melancolia, o romance e o rock - está mais uma vez liquidificado no segundo álbum do grupo, Bloco do Eu Sozinho , recém-lançado pela Abril Music. Depois de preconizar um ressurgimento do rock nacional na mídia em 2000 e vender mais de 300 mil cópias do primeiro CD, Los Hermanos (puxado pelo sucesso da canção Anna Júlia ), o grupo retorna disposto a desafiar mais ainda a quem insiste em rotulá-los.
"O engraçado é que todas as mudanças que acontecem com a gente são completamente intutivas, involuntárias. Quando vamos ver, já estamos indo em outra direção. Nada é planejado. Isso é fruto de nossa liberdade criativa, de nossa falta de compromisso seja lá com quem for", afirma Marcelo Camelo, vocalista, guitarrista e principal compositor do grupo. A declaração se aplica à evidente guinada que o novo álbum representa na trajetória da banda. O grupo evitou a sonoridade que o consagrou em Los Hermanos - a acre-doce mistura de hardcore e música romântica - e construiu 14 canções lentas, menos pesadas, sem a "sujeira" que caracterizava o grupo anteriormente. Camelo, Rodrigo Amarante (guitarra), Bruno Medina (teclados) e Rodrigo Barba (bateria) agora soam suaves, reflexivos e (mais) melancólicos.
"Acho que estamos mais suaves sim, mas mais leves não. Quer dizer, não tem aquela coisa explicitamente pesada de antes, da bateria rápida, da guitarra distorcida. Mas se você for ler nas entrelinhas, é um disco mais pesado... a inspiração é aquele clima de fim de carnaval, aquela tristeza de depois da folia. Isso sim é mais pesado", acredita Camelo. De fato, um mood Quarta-feira de Cinzas domina o álbum, desde a capa, passando pelos arranjos - que ganharam reforço substancial de naipes de metais - , as letras (que invariavelmente narram amores mal-fadados) e também na primeira música de trabalho, Todo Carnaval Tem Seu Fim.
O samba, referência sempre presente na proposta do grupo, agora se explicita em músicas como Mais Uma Canção e Assim Será. Toda essa influência carnavalesca soa misteriosa até mesmo para os integrantes do quarteto. "Não temos nem um relação tão grande com o carnaval assim", relata Camelo. "Da banda, só eu mesmo é quem ouve mais samba, o resto nem conhece direito. Mas não ouvimos samba e mesmo assim tocamos... o (baterista) Barba nunca ouviu, e no entanto senta e tira umas levadas de samba inacreditáveis. Chega a ser uma coisa mediúnica, parece que baixa na gente. Mas acho que a influência mais importante está no nosso estilo de composição, que tem a ver com as marchinhas de carnaval - aquelas letras supersentimentais, tristes, mas cantadas na maior euforia."
Em meio ao clima "fim de festa" do disco, duas faixas quebram a homogeneidade sonora: Cadê Teu Suin-?, com letra repleta de brincadeiras sonoras, e Cher Antoine, que ganhou versos em francês. "A letra de Cadê Tem Suin-? eu fiz meio dormindo, meio acordado... saiu tudo de uma vez, todas as 'jogadas' fonéticas dos versos vieram de primeira. A letra fala um pouco da nossa relação com o mercado da música. Já Cher Antoine foi escrita pelo Amarante, que na época estava estudando francês. Então ele usou uma série de frases que tinham no livro do curso dele, umas coisas meio bobas, meio tragicômicas", explica Camelo.
Esses "novos" Hermanos, tristonhos e carnavalescos, tiveram no ano passado uma prova bem palpável de que a guinada estética causaria polêmica: o baixista original, Patrick Laplan, saiu alegando as velhas "diferenças artísticas". "Nós nos trancamos em um sítio para trabalhar as novas canções, e quando fomos ver estava tudo com essa cara nova, nesse novo estilo. O Patrick acabou saindo por causa disso, porque ele não concordou com a direção que estávamos tomando. Mas eu e os outros três estávamos decididos a seguir adiante", narra Camelo. O grupo segue com baixistas convidados (atualmente o posto é ocupado por Gabriel Bubu, da banda carioca Carne de Segunda), e Camelo adianta que "deve continuar assim por um bom tempo." No disco, quem se ocupou das quatro cordas foi Kassin, ex-Acabou La Tequila e atual Moreno + 2.
Mais resistência aos novos caminhos do grupo foi encontrada nos escritórios da própria gravadora da banda, a Abril Music. Pipocaram notícias nos jornais sobre desentendimentos vários entre os Hermanos e o selo - que supostamente não teria aprovado a versão original do disco, produzida por Chico Neves. A pendenga amplificou os rumores sobre a possível instabilidade do grupo dentro da gravadora.
"Chamamos o Chico porque sabíamos como ele trabalhava, bem integrado com as bandas, sem deixar se influenciar por pressões externas. Fizemos o disco todo na maior tranqüilidade e quando apresentamos à gravadora, eles não gostaram", esclarece Camelo. "Eles nos pediram para regravar tudo, com outro produtor, e foi aí que chegamos a um impasse. Como refazer tudo, regravar os metais, as participações especiais?! Felizmente, ambos os lados cederam e chegamos a um meio-termo: o Marcelo Sussekind remixou o disco, mas todo o trabalho foi feito com a nossa supervisão e com a assistência do Vitor Farias, que é um cara a quem a gente respeita muito." Quanto à posição do grupo na Abril (por contrato, eles ainda têm de lançar mais um álbum pela gravadora), Camelo está sossegado: "Está tudo resolvido, eles acabaram ficando bem satisfeitos com o disco."
Se ainda não ficou evidente, outra coisa a ser esclarecida - e que também deve ter pesado no descontentamento da Abril Music - é que não há uma Anna Júlia II em Bloco do Eu Sozinho. Camelo rebate: "Mas o que seria uma Anna Júlia II?! Se a original já foi uma coisa completamente inesperada, até para nós, como poderíamos planejar uma segunda?" O que dizer, então, para a galera que comprou o primeiro disco só porque ouviu Anna Júlia numa rádio AM, e agora vai encarar uma banda bem diferente?
"Acho que este disco é, na verdade, a maior prova do respeito que temos pelos fãs. O que queremos é instigar o fã, sem qualquer compromisso com o mercado. Nós queremos ter fãs que estejam abertos à surpresa; o cara pode até odiar este disco, mas vai esperar para ver como vai ser o próximo", acredita Camelo. "E acho que muita gente tem essa relação com os Los Hermanos. Temos um grupo de fãs muito fiel, gente que pára e lê o encarte do disco, que presta atenção nos detalhes. Fazer um disco dá muito trabalho, então é frustrante que as pessoas não percebam nem valorizem isso. O sucesso foi muito bom para a gente, mas acaba trazendo fãs que na verdade não estão muito interessados em nós de verdade."
"O engraçado é que todas as mudanças que acontecem com a gente são completamente intutivas, involuntárias. Quando vamos ver, já estamos indo em outra direção. Nada é planejado. Isso é fruto de nossa liberdade criativa, de nossa falta de compromisso seja lá com quem for", afirma Marcelo Camelo, vocalista, guitarrista e principal compositor do grupo. A declaração se aplica à evidente guinada que o novo álbum representa na trajetória da banda. O grupo evitou a sonoridade que o consagrou em Los Hermanos - a acre-doce mistura de hardcore e música romântica - e construiu 14 canções lentas, menos pesadas, sem a "sujeira" que caracterizava o grupo anteriormente. Camelo, Rodrigo Amarante (guitarra), Bruno Medina (teclados) e Rodrigo Barba (bateria) agora soam suaves, reflexivos e (mais) melancólicos.
"Acho que estamos mais suaves sim, mas mais leves não. Quer dizer, não tem aquela coisa explicitamente pesada de antes, da bateria rápida, da guitarra distorcida. Mas se você for ler nas entrelinhas, é um disco mais pesado... a inspiração é aquele clima de fim de carnaval, aquela tristeza de depois da folia. Isso sim é mais pesado", acredita Camelo. De fato, um mood Quarta-feira de Cinzas domina o álbum, desde a capa, passando pelos arranjos - que ganharam reforço substancial de naipes de metais - , as letras (que invariavelmente narram amores mal-fadados) e também na primeira música de trabalho, Todo Carnaval Tem Seu Fim.
O samba, referência sempre presente na proposta do grupo, agora se explicita em músicas como Mais Uma Canção e Assim Será. Toda essa influência carnavalesca soa misteriosa até mesmo para os integrantes do quarteto. "Não temos nem um relação tão grande com o carnaval assim", relata Camelo. "Da banda, só eu mesmo é quem ouve mais samba, o resto nem conhece direito. Mas não ouvimos samba e mesmo assim tocamos... o (baterista) Barba nunca ouviu, e no entanto senta e tira umas levadas de samba inacreditáveis. Chega a ser uma coisa mediúnica, parece que baixa na gente. Mas acho que a influência mais importante está no nosso estilo de composição, que tem a ver com as marchinhas de carnaval - aquelas letras supersentimentais, tristes, mas cantadas na maior euforia."
Em meio ao clima "fim de festa" do disco, duas faixas quebram a homogeneidade sonora: Cadê Teu Suin-?, com letra repleta de brincadeiras sonoras, e Cher Antoine, que ganhou versos em francês. "A letra de Cadê Tem Suin-? eu fiz meio dormindo, meio acordado... saiu tudo de uma vez, todas as 'jogadas' fonéticas dos versos vieram de primeira. A letra fala um pouco da nossa relação com o mercado da música. Já Cher Antoine foi escrita pelo Amarante, que na época estava estudando francês. Então ele usou uma série de frases que tinham no livro do curso dele, umas coisas meio bobas, meio tragicômicas", explica Camelo.
Esses "novos" Hermanos, tristonhos e carnavalescos, tiveram no ano passado uma prova bem palpável de que a guinada estética causaria polêmica: o baixista original, Patrick Laplan, saiu alegando as velhas "diferenças artísticas". "Nós nos trancamos em um sítio para trabalhar as novas canções, e quando fomos ver estava tudo com essa cara nova, nesse novo estilo. O Patrick acabou saindo por causa disso, porque ele não concordou com a direção que estávamos tomando. Mas eu e os outros três estávamos decididos a seguir adiante", narra Camelo. O grupo segue com baixistas convidados (atualmente o posto é ocupado por Gabriel Bubu, da banda carioca Carne de Segunda), e Camelo adianta que "deve continuar assim por um bom tempo." No disco, quem se ocupou das quatro cordas foi Kassin, ex-Acabou La Tequila e atual Moreno + 2.
Mais resistência aos novos caminhos do grupo foi encontrada nos escritórios da própria gravadora da banda, a Abril Music. Pipocaram notícias nos jornais sobre desentendimentos vários entre os Hermanos e o selo - que supostamente não teria aprovado a versão original do disco, produzida por Chico Neves. A pendenga amplificou os rumores sobre a possível instabilidade do grupo dentro da gravadora.
"Chamamos o Chico porque sabíamos como ele trabalhava, bem integrado com as bandas, sem deixar se influenciar por pressões externas. Fizemos o disco todo na maior tranqüilidade e quando apresentamos à gravadora, eles não gostaram", esclarece Camelo. "Eles nos pediram para regravar tudo, com outro produtor, e foi aí que chegamos a um impasse. Como refazer tudo, regravar os metais, as participações especiais?! Felizmente, ambos os lados cederam e chegamos a um meio-termo: o Marcelo Sussekind remixou o disco, mas todo o trabalho foi feito com a nossa supervisão e com a assistência do Vitor Farias, que é um cara a quem a gente respeita muito." Quanto à posição do grupo na Abril (por contrato, eles ainda têm de lançar mais um álbum pela gravadora), Camelo está sossegado: "Está tudo resolvido, eles acabaram ficando bem satisfeitos com o disco."
Se ainda não ficou evidente, outra coisa a ser esclarecida - e que também deve ter pesado no descontentamento da Abril Music - é que não há uma Anna Júlia II em Bloco do Eu Sozinho. Camelo rebate: "Mas o que seria uma Anna Júlia II?! Se a original já foi uma coisa completamente inesperada, até para nós, como poderíamos planejar uma segunda?" O que dizer, então, para a galera que comprou o primeiro disco só porque ouviu Anna Júlia numa rádio AM, e agora vai encarar uma banda bem diferente?
"Acho que este disco é, na verdade, a maior prova do respeito que temos pelos fãs. O que queremos é instigar o fã, sem qualquer compromisso com o mercado. Nós queremos ter fãs que estejam abertos à surpresa; o cara pode até odiar este disco, mas vai esperar para ver como vai ser o próximo", acredita Camelo. "E acho que muita gente tem essa relação com os Los Hermanos. Temos um grupo de fãs muito fiel, gente que pára e lê o encarte do disco, que presta atenção nos detalhes. Fazer um disco dá muito trabalho, então é frustrante que as pessoas não percebam nem valorizem isso. O sucesso foi muito bom para a gente, mas acaba trazendo fãs que na verdade não estão muito interessados em nós de verdade."