A força da internacional Lana Bittencourt

Popular nos anos 50 e 60, a cantora que gravou standards dos mais diversos gêneros em vários idiomas revela que chegou a ser perseguida pela ditadura militar

Rodrigo Faour
16/10/2000
Ela inundou as paradas de sucesso nos anos 50 e 60 com um timbre muito pessoal. Vozeirão. Na escola de Araci Côrtes, Dalva de Oliveira e Ângela Maria. No repertório, versões de rocks, calypsos, canções de várias nacionalidades, além de muitos sambas e bossa nova. Estamos falando de Lana Bittencourt, que hoje restringe suas apresentações a pequenas casas que vez por outra a tiram de Porto do Rio, um lugarejo serrano, próximo a Teresópolis (RJ), onde vive com o guitarrista Mirabeau, sobrinho do compositor de mesmo nome. Passional, Lana fala sempre com muita emoção de tudo que lhe entusiasma. Cantando, então, ela é do tipo que, se precisar, chora no meio da música, grita, recita, clama e não costuma poupar o público de agudos portentosos e gestos bem teatrais.

Lana está chegando aos 70 anos de idade mas conserva ainda uma bela voz graças a muitos exercícios vocais. "Com a idade que estou, minha voz continua a mesma dos 30. Não tenho voz de velha, ela é jovem, forte, saudável. Faço exercícios respiratórios. Isso é necessário", ensina a cantora. Esse preparo vem de muito longe. Lana sempre estudou canto. "Comecei fazendo aulas de canto lírico com a professora Creuza Pena Forte, durante oito anos. Foi minha avó italiana quem a escolheu porque queria que eu estudasse com a melhor. Aos 16, comecei a estudar canto popular com Fernanda Remsky. Fiquei praticamente mais dez anos com ela. Sempre tive a voz impostada, usando o diafragma. Então não tive dificuldade de manter a voz boa até hoje, como Bibi Ferreira. Quem canta de garganta acaba perdendo a voz. Se estudar, não perde", continua.

Paralelamente às aulas de canto, Lana estudava muito pois seu sonho era ir trabalhar no Itamaraty. "Entrei para a faculdade de Filosofia mas acabei fazendo Letras. Trabalhava como cantora à noite e estudava de dia na Cândido Mendes. Meu sonho era trabalhar no Itamaraty, era ser consulesa e embaixatriz. Se eu esperasse mais dois anos, teria ido com certeza, pois o instituto foi aberto para mulheres", explica. Como em sua época a diplomacia era uma carreira masculina, ela acabou estudando para atuar no setor de biblioteconomia, mas não perdia as festinhas que havia no Palácio do Itamaraty, onde sempre dava canjas. "Foi lá que conheci minha sogra e o Tio (Francisco) Abreu, diretor da Rádio Mayrink Veiga, que era irmão dela", conta. Lana entrou para a Era do Rádio e logo chegaria ao disco.

Sucessos estrangeiros
Lana gravou seu primeiro disco de 78 rpm na Todamérica, com as desconhecidas Emoção e Samba da Noite. Nada aconteceu por falta de divulgação, o que ocorreria também nos dois discos seguintes. Contratada por Roberto Corte Real, da Columbia, as coisas começaram a acontecer. Como Lana almejava o Itamaraty, já se virava estudando várias línguas, numa época em que a maioria dos cantores não se ligava nisso. Acabou gravando em vários idiomas e também fez muitas versões, ganhando o prefixo de A Internacional. Seu primeiro LP de dez polegadas (1956), incluía versões de Johnny Guitar (hit internacional, tema do filme homônimo), mais Malagueña e Andalucia, do cubano Ernesto Lecuona, que figuravam no repertório da cantora ítalo-franco-alemã Caterina Valente. Famosa no mundo inteiro por cantar e gravar em várias línguas – inclusive o português – Caterina parece ter sido a grande inspiradora de Lana. "Anos mais tarde, eu levei esse disco para ela. Cheguei a cantar Aquarela do Brasil com ela num coreto em Amsterdam com a Orquestra da Real Policia Montada do Canadá", relembra.

Esse slogan de A internacional no começo foi visto com certa inveja por parte do meio artístico. "Tinha gente que dizia que eu era metida a besta, que eu tinha que cantar sambão. O pessoal se esquecia que eu era uma cantora com muito estudo. Quando a gente estuda canto, é obrigado a cantar baladas em alemão, valsetas em francês, mazurcas e polcas. E nossa música era mais fácil e tinha muito mais gente fazendo. Eu era praticamente a única dentro desse esquema internacional. E ser única dentro de seu país é muito bom", orgulha-se.

Lana estranhou Little Darlin’
O primeiro sucesso mesmo de Lana foi um calypso: Little Darlin’, em 1957, cantado no original, em inglês. "Eu achei a música uma porcaria quando a ouvi pela primeira vez. ‘É isso que vou gravar? Uma música sem expressão, com uma letra que tinha ´papum papum papum’...? Eu disse para o Renato: ‘Não estou gostando dessa letra’, e ele me respondeu: ‘Mas é sucesso, Lana! Os Platters gravaram’", recorda. De fato, seu produtor tinha razão. Seu disco acabou vendendo no Brasil mais do que o do grupo americano. Por essa época, ela gravou também em inglês, With All My Heart, sucesso de Doris Day, no filme Ardida como Pimenta, e Alone. "Em geral, as minhas gravações chegavam antes das estrangeiras. Quando gravei o Chariot (63), a minha chegou às lojas na frente da gravação da Petula Clark. É uma música linda, um gospel. no filme da Woopie Goldberg, Mudança de Hábito!", frisa.

Mas o triunfo de Lana não se restringiu às canções estrangeiras. Um de seus grandes sucessos foi o samba-canção Se Alguém Telefonar (Alcyr Pires Vermelho e Jair Amorim), também de 1957, regravada por Milton Nascimento em seu recente CD Crooner. "Gravei essa música com o acompanhamento dos Titulares do Ritmo e do outro lado havia a linda Pobre Menino Rico, do Oscar Belandi", relembra. A cantora também gravou em 1960 o LP Sambas do Rio, apenas com sambalanços e bossas de Tom Jobim e Luís Antonio, e mais tarde, registrou toda a Sinfonia do Rio de Janeiro, de Tom e Billy Blanco, ao lado do cantor Haroldo de Almeida no LP Retrato do Rio, voltado para os turistas.

Depois de viver seu auge num dos períodos em que foi feita boa parte da melhor música produzida no mundo – anos 50 e 60 –, a cantora analisa sem preconceitos os rumos que a canção popular tomou. "A música cantada apresenta sempre muitas mudanças, de maneiras de cantar, de comportamento musical. Hoje em dia tem o rap, que é falado, é um discurso. O cara está discursando... é um jeito de falar meio ritmado com a música atrás. Estamos voltando à época medieval. Os menestréis pegavam o alaúde e cantavam: ‘Olha, minha senhora estou aqui para dizer que te amo muito....’ – o cara falando e o alaúde atrás. Naquela época, as mulheres jogavam baldes de água em cima dos falsos cantores, porque eles eram mais poetas que cantores. A música cantada começou assim. O rap é um movimento cultural. Não é tão popular nem tão burlesco. Isso é muito bom quando a pessoa quer explanar uma idéia", defende a cantora que nunca levou desaforo para casa e por isso chegou a ser perseguida – até pelos militares.

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