A herança musical do Virna Lisi

Integrantes da extinta banda mineira, que mexeu com a cena pop do começo dos anos 90 misturando batucada e punk rock, retomam a trajetória de inovação com o Radar Tantã e o The Paula

Wagner Merije
16/10/2000
BELO HORIZONTE – Muitas pessoas, entre fãs, roqueiros e jornalistas ligados à área musical, lamentaram quando a banda mineira Virna Lisi encerrou suas atividades em outubro de 1997, depois de três discos e uma trajetória de muitas conquistas. Se por um lado o rock forte e inteligente do grupo não chegou ao grande público, por outro ele mexeu com a cena musical da primeira metade dos anos 90, reaproximando a percussão das guitarras, o que viria a abrir portas para nomes como Chico Science & Nação Zumbi e Raimundos, entre outros. A atitude punk aliada à tradição do congado e das escolas de samba do interior mineiro deu ao Virna Lisi – nome que foi emprestado de uma famosa atriz italiana – uma identidade sonora ímpar que o projetou para o Brasil e para o exterior, com grande exposição na mídia, participação em uma coletânea como Batmacumba (lançada no Japão), e apresentações em grandes palcos, a exemplo do festival Monsters of Rock de 1995, que aconteceu no Brasil e na Argentina.

Mas depois de longa gestação, estão sendo lançados dois novos projetos que são frutos da herança deixada pelo Virna Lisi. O vocalista César Maurício e o guitarrista Ronaldo Gino formaram o Radar Tantã, que levou o prêmio de melhor clipe demo no último Video Music Brasil da MTV, depois de também ter concorrido na mesma categoria no ano passado. A banda está com seu disco pronto (independente, em negociação com algumas gravadoras), e conta em sua formação também com Gérson Barral (baixo) e Flávio Garcia (bateria). Mesmo tendo como elemento principal o rock, o som do grupo agrega elementos da eletrônica e do pop, embalado com lirismo e delicadeza.

Foto: divulgação
The Paula
 
Já o baixista do Virna, Marcelo de Paula, que nos últimos três anos continuou escrevendo canções que foram gravadas pelas bandas Capital Inicial (Atrás dos Olhos, tema do disco de reestréia da banda de Brasília depois de um período de ostracismo), Jam Pow! e Coyots, entre outros, acaba de colocar na praça a banda The Paula, na qual assume o vocal, violão e guitarra, ao lado de Alberto Colares (baixo) e Júlio Smile (bateria). Com um CD demo de quatro músicas pronto, gravado com a participação primeiro baterista do Virna Lisi, Marco Neves, misturando violões percussivos com atitude rap, canções com guitarras distorcidas, o The Paula está se preparando para gravar seu primeiro disco, a ser produzido com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte.

Abandonados no meio do caminho
A história fonográfica do Virna Lisi começou em 1992, com o lançamento do aplaudido Esperar o Quê?, pelo selo independente Tinitus. Depois veio O Que Diriam Os Vizinhos (95, Tinitus/Polygram), seguido por Se Desce a Lona Vira Circo, Se Cerca Vira Hospício, de 96, já pela gravadora americana MCA, que iniciava suas atividades no Brasil. Quando tudo parecia caminhar bem para a banda, veio o golpe: a Universal (que englobara a MCA) foi fundida com a PolyGram e, no esquema de corte de pessoal, os músicos se viram sem suporte, com o contrato de três discos rescindido.

Abalados e desiludidos, os integrantes do grupo na época – César Maurício, Ronaldo, Marcelo, Marden Veloso (guitarra) e Luís Lopes (bateria) – resolveram partir para outros projetos. César assumiu sua carreira de artista plástico, Marden enveredou pela arquitetura, Ronaldo se dedicou a trilhas sonoras, Lopes passou a se dividir entre as experimentações gráficas e participações em outros grupos e Marcelo virou produtor musical, sem contudo parar de compor.

A reunião de três membros do Virna Lisi diante de uma platéia de mais de 20 mil pessoas para homenagear o extinto grupo durante a nona edição do festival Pop Rock Brasil (que aconteceu entre os dias 8 e 10 últimos) mexeu com os brios do público e de músicos das principais bandas do rock nacional da atualidade participantes do evento. Foi a primeira vez que César, Ronaldo e Marcelo se encontravam no palco depois de quase três anos, e a emoção foi forte ao se constatar o reconhecimento do público. Não bastasse a energia de tão expressiva platéia, os ex-companheiros estão vivendo momentos especiais de suas carreiras.

No que depender da vontade e do talento já mostrados pela rapaziada, as cinzas do Virna Lisi transformadas em fênix prometem fazer muito barulho. Os tempos são outros: os músicos amadureceram, alguns tiveram filhos, outros puderam se aperfeiçoar nos bastidores e nos meios de produção de trabalhos que têm o poder e a beleza para inaugurar a música do novo milênio. Radar Tantã e The Paula surgem no cenário musical brasileiro como novatos sem sê-los, pois tiveram a oportunidade de construir uma trajetória que ainda pulsa na história da música pop tupiniquim. E se a música jovem feita em Minas só conseguiu tomar o Brasil com a onda seguinte, formada pela trinca Skank, Jota Quest e Pato Fu, o prosseguimento da carreira dos herdeiros do Virna Lisi ajudará a dissipar a fumaça do pop radiofônico que parece ter poluído o horizonte mineiro.