A hora e vez do forró universitário

Com uma base de fãs conquistada entre a classe média intelectualizada do Sudeste, bandas como Falamansa, Rastapé e Forróçacana fazem sucesso trazendo de volta o velho pé de serra de Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro

Silvio Essinger
20/03/2001
"Meu pé de serra/ Já não é um pé rapado/ Tem freqüentado a escola/ E tá feliz/ Conhecimento/ É o seu grande projeto/ Não quer mais ser analfabeto/ Nesse país." Assim segue a letra de Forró Universitário, música de Moraes Moreira, gravada em seu mais recente disco, Bahião com H amostras de 30s (que, por sinal, traz vários baiões e xotes). Ela é um dos primeiros sinais do reconhecimento amplo de um fenômeno que há pelo menos quatro anos vem se verificando em São Paulo e no Rio de Janeiro: bandas de forró tradicional, formadas por jovens locais de classe média, que se apresentam para um público de classe média, formador de opinião, mais ligado na música que nos modismos. "No começo foi universitário, sem dúvida, principalmente aqui em São Paulo", admite Tato, líder dos paulistas do Falamansa, o maior fenômeno do gênero, que se aproxima do um milhão de cópias vendidas de seu disco de estréia, Deixa Entrar... amostras de 30s (DeckDisc/Abril Music). "Depois, o nosso público começou a se ramificar."

"A gente tocou muito em universidade, mas também em muita feira nordestina", acrescenta Duani, vocalista e tocador de zabumba do Forróçacana, expoente carioca do forró universitário, que lançou ano passado seu primeiro disco, Vamo Que Vamo amostras de 30s, inicialmente independente, depois reeditado pela Atração Fonográfica com uma faixa bônus, a versão de Menina Mulher da Pele Preta, de Jorge Ben Jor. "Para mim, mais do que forró universitário, esse é o forró da nova geração", prega o músico, que, junto com a banda, foi convidado por Moraes Moreira para gravar uma nova versão de Sintonia em Bahião com H e com ele se apresentou em cima de um trio elétrico no Rock In Rio.

"Costumo dizer que não é forró universitário, mas os universitários no forró", alfineta o veterano Flávio José, paraibano de Monteiro, 25 anos de carreira, que está lançando Me Diz, Amor amostras de 30s, seu segundo CD pela BMG depois de oito independentes. "Só acredito no acontecimento do forró no dia em que ele estiver tocando de ponta a ponta", diz o cantor e sanfoneiro, que estourou músicas como Que Nem Vem-Vem e Caboclo Sonhador (ambas de Maciel Melo) e Espumas ao Vento (de Acioly Neto) bem antes que elas fossem popularizadas no país inteiro por artistas como Elba Ramalho e Fagner.

Adepto do mesmo forró pé-de-serra (tradicional, com triângulo, zabumba e sanfona) dos universitários, ele no entanto diz que continua fazendo no Sudeste o mesmo circuito de casas que fazia antes da explosão do Falamansa e cia. "São lugares onde a classe média não vai, os forrós freqüentados por nordestinos". De qualquer forma, Flávio José acredita que, mesmo numa escala pequena, a rapaziada tem contribuído para o reaquecimento do forró - há que se recordar que um dia, muito tempo atrás, as prensas da RCA (hoje BMG) chegaram a trabalhar a todo vapor, somente para suprir a demanda por discos do Rei do Baião Luiz Gonzaga.

Em busca do próximo Falamansa
As gravadoras se movimentam para tentar descobrir um outro fenômeno do forró universitário para fazer frente ao Falamansa, cuja música Rindo à Toa está sendo usada até em comercial de carro. A EMI contratou recentemente o Chama Chuva, a Virgin o Circuladô e a Universal o Guentaê!. A WEA, por sua vez, lança o disco Dance Forró Mais Eu ouvir 30s, do sanfoneiro Targino Gondim, autor de Esperando na Janela, que devolveu Gilberto Gil às paradas de sucesso no ano passado (não por acaso, o CD é lançado em parceria com o selo de Gil, Geléia Geral). E há também os medalhões da MPB que voltam a lançar discos só de forró, como é o caso de Elba Ramalho (Cirandeira amostras de 30s) e Alceu Valença (do vindouro Forró Lunar, sucessor de Forró de Todos os Tempos amostras de 30s).

No entanto, quem detém o maior cast de forró universitário é a DeckDisc, que começou no ramo com Miltinho Edilberto (com o disco Como Alcançar uma Estrela amostras de 30s, de 1998), depois estourou o Falamansa e o Rastapé (com o disco Fale Comigo amostras de 30s) e agora aposta nos velhos Trios Nordestino e Virgulino, ídolos dos jovens forrozeiros sulistas que freqüentam casas como o KVA, Remelexo (SP) e Malagueta (RJ).

O Falamansa (que se apresenta no próximo dia 7 no Canecão, no Rio de Janeiro) e o Rastapé chegaram à Deck para participar de uma série de discos chamada O Som do Forró. A executiva da gravadora, Mônica Ramos, conta ter ficado impressionada logo de cara com Tato, rapaz de Piracicaba, interior paulista, que caiu de amores pelo forró, chegou a abrir um bar dedicado ao gênero em Itaúnas (Espírito Santo) e foi DJ no KVA. "Tato contestou todo o repertório que eu mandei para eles. E depois, pediu para que a gente cancelasse a participação do Falamansa no projeto", conta. A razão: a banda tinha um disco pronto, com composições próprias. O que no fim das contas acabou sendo ótimo negócio para a Deck: além de a gravadora vender muitos discos, a editora recebe muitos pedidos para regravar as canções de Tato.

"O Falamansa viu muito o Forróçacana tocar no KVA", gaba-se Duani, que está há pelo menos quatro anos na batalha com sua banda no mercado do forró universitário. Embora os números de venda de Vamo Que Vamo estejam bem distantes daqueles dos discos dos amigos, o Forróçacana tem feito de 12 a 15 shows por mês, com algumas incursões no exterior (estiveram em Paris no ano passado, participando da Fête de la Musique, e em Portugal no último carnaval). Depois de dois meses morando em São Paulo, eles voltaram para o Rio de Janeiro, e estão se acertando com o empresário Manoel Poladian (que cuida das carreiras de Titãs, Rita Lee, Família Lima, entre outros). Para Duani, o que falta à banda é investimento. "Por mais que se tenha talento, o reconhecimento não vem daí."

Aos poucos, porém, as coisas têm acontecido. "As feiras agropecuárias, que chamavam artistas de pagode, axé, rock e sertanejo agora também estão começando a chamar os de forró", diz Afonso Carvalho, empresário do Forróçacana, banda que já abriu shows de Elba Ramalho, gravou com Zé Ramalho em Nação Nordestina e tocou com Gilberto Gil, Lenine e Zeca Baleiro (que, em retribuição, compôs Forró no Malagueta). Para o lançamento de Vamo Que Vamo, o Forróçacana chegou a alugar o Canecão, no melhor estilo Elymar Santos - e a casa felizmente encheu, compensando a empreitada.

Autenticidade
O preconceito em relação aos jovens forrozeiros sulistas existe, mas não chega a incomodar. "Todo mundo pergunta o que a gente acha do forró universitário como se ele não fosse legítimo. Questionam se um sulista pode tocar forró, mas não se o nordestino pode tocar rock, por exemplo", defende Siba, da banda pernambucana Mestre Ambrósio, que apesar de não se dedicar exclusivamente ao gênero, pega boa parte desse público universitário com seu som de forte raiz nordestina - quem quiser tirar a prova é só ouvir o novo disco do Mestre, Terceiro Samba amostras de 30s.

"Não tem essa de dizer: 'Ah, não são nordestinos, então não podem fazer forró'", defende Elba Ramalho. "Ora, os muros, as culpas acabaram. Um paulista pode mergulhar na obra de Luiz Gonzaga ou Jackson do Pandeiro sem medo de ser intoxicado. (risos) Todos unidos fazendo uma música como essa, de qualidade, o país fica forte." Flávio José é outro que sai em defesa dos universitários: "Ser autêntico no forró é não mudar o ritmo. O Trio Nordestino já gravou com baixo e bateria, Luiz Gonzaga usou guitarra em O Fole Roncou. Tem que ter zabumba, triângulo e sanfona, não importa o que venha na cozinha". O paraibano usa e abusa dos instrumentos elétricos, mas sem descaracterizar o pé-de-serra.

"Nada é proibido. Eu quero passar o forró de raiz, mas nada me impede que eu o devolva com uma pitada de reggae", diz Tato, grande fã de Bob Marley. "A base do nosso som é o forró, mas a gente toca todo tipo de música brasileira", acrescenta Duani. Grandes admiradores de Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, no entanto, os expoentes do forró universitário se permitem uma liberdade temática nas letras. "Não dá para falar de seca e sertão, não é a minha realidade", diz o líder do Falamansa. Mesmo o paraibano Flávio José prefere atacar nos temas românticos que nos sociais. "Procuro letras atualizadas", diz.

Uma conseqüência da notoriedade que o forró tradicional conquistou foi o declínio da oxente music, o forró pop-brega que surgiu em Fortaleza, com bandas como Mastruz com Leite e Magníficos. "Aquilo não passou de um modismo, hoje as pessoas já não o querem mais", conta Flávio José. "A própria cultura de raiz agora volta para essas bandas do oxente", diz Duani. "Elas achavam ultrapassado e brega esse forró e agora estão compondo pé-de-serra."

Melhor ainda, segundo Tato, foi ver artistas como Elba, Alceu e Moraes gravando discos de forró. "Na verdade, eles sempre mantiveram um ou dois forrós pé-de-serra em cada lançamento, mas não dava para fazer um disco inteiro com aquilo", diz. "Hoje eles não precisam mais se camuflar de MPB." Duani concorda: "Se chegar e perguntar o que esses artistas ouviam na juventude, é Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga. Com esse lance do forró universitário, eles puderam assumir pé-de-serra."

O músico do Forróçacana pensa longe: "Esperamos que agora as pessoas dêem valor a um estilo de música que está aí há bastante tempo. O forró é tão suingado quanto o samba." Tato faz eco: "A meta do Falamansa é poder fazer o forró pé-de-serra voltar a ser parte da tradição da música brasileira." Rindo à toa de ver até garotões surfistas ouvindo Luiz Gonzaga em seus carros, ele está otimista com o futuro do forró, universitário ou não: "Tem muita gente boa para mostrar. O Falamansa é apenas uma parte do movimento."

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