A jovem bossa de Jerry Adriani

"Outro dia, estava no Aeroporto Internacional do Rio dando autógrafos. Nisso, uma moça vira para mim e diz: 'Olha, esse senhor quer falar com você'. Era um sujeito vestindo paletó de lã, que me falou: 'Gosto muito de você, acompanho muito o seu trabalho. Um abraço pro senhor.' Aí, olhei bem para ele e disse: 'Peraí, você é o João Gilberto!". O espanto é do cantor Jerry Adriani, que nunca poderia imaginar que o ícone da bossa nova, movimento que antecedeu à sua jovem guarda, seria seu fã, uma vez que seus estilos são diametralmente opostos.

Animado com os elogios de João e guardando de longa data uma admiração por Tom Jobim, Jerry encorajou-se e decidiu estrear hoje, dia 2, no Bar do Tom (RJ), um show no qual incluirá hits do estilo que consagrou Jobim e Gilberto, como Corcovado, Se Todos Fossem Iguais a Você, Eu Sei que Vou Te Amar, Estrada do Sol, Lígia e Águas de Março.

"Antes de gravar o CD em homenagem ao Renato Russo, na Indie Records (Forza Sempre ), fui da Albatroz, gravadora do Roberto Menescal. Ele tinha um projeto de bossa nova para fazer comigo quando Tom Jobim ainda era vivo. O disco iria se chamar Tom & Jerry. Infelizmente, Tom nos deixou e não pudemos realizá-lo", lamenta o cantor, que mostrará versatilidade no novo show.

Além das bossas, ele não se furtará a cantar alguns de seus sucessos da jovem guarda, como Querida, e, para completar a salada estilística, incluirá versões em italiano dos sucessos da Legião Urbana (como Por Enquanto, Monte Castelo e Angra dos Reis), uma versão em espanhol do hit italiano de Zizi Possi, Per Amore (inspirada na gravação do tenor Andrea Boccelli), e também algumas canções de seu novo CD, Tudo Me Lembra Você.

Disco novo é diferente do anterior
Jerry vai logo avisando que o sucessor de Forza Sempre (que, apostando na semelhança vocal com Renato Russo, chegou a ganhar disco de platina, por suas mais de 250 mil cópias vendidas) será radicalmente diferente do anterior. "O novo álbum terá linhagem pop romântica. No show, vou mostrar algumas músicas desse disco, como as baladas O Amor que Eu Trouxe, que o Zeca Baleiro fez para mim, e O Cavaleiro das Estrelas, que fiz homenagem ao Raul Seixas", antecipa ele.

Jerry achou curioso o fato de tanto ele quanto seus colegas Caetano Veloso e Tom Zé terem decidido homenagear o rei do rock brasileiro na mesma época (o primeiro gravou Rock'n'Raul em seu recém lançado Noites do Norte e o segundo A Chegada de Raul Seixas e Lampião no FMI, no CD Jogos de Armar ). "Chamo isso de sincronicidade. Fico feliz de termos tido a mesma idéia, mas homenageamos Raul de jeitos diferentes. Fiz uma coisa pessoal, baseada no meu relacionamento com ele", diferencia.

Foi depois de uma apresentação de Jerry em Salvador, em 1967, acompanhado do grupo de rock baiano Os Panteras (do qual Raul era integrante), que o roqueiro baiano foi convencido a tentar a sorte no Rio de Janeiro. Ele acabou trabalhando como produtor musical na CBS, chegando mesmo a produzir LPs de Jerry e compor um de seus maiores sucessos, Doce, Doce Amor (com Mauro Motta).

"Raul era meu amigo", conta o cantor. "Chegou a morar em minha casa muito tempo. Sou padrinho da Simone, primeira filha dele que hoje mora nos Estados Unidos. Era um cara muito inteligente. Tinha uma visão toda particular das coisas. Na realidade, nunca tinha visto nada semelhante ao que ele pensava. Ele sempre foi muito original e muito crítico, até mesmo com ele. Na época que nos conhecemos, ele tinha um caderno onde escrevia as coisas mais incrívies que se podia imaginar."

Jerry diz ter visto logo de cara que Raul teria um lugar muito especial na história da nossa música. "Na verdade, ele estava à frente de seu tempo - me pedia para fazer certas coisas que eu só viria a concretizar dez anos depois. Ao mesmo tempo, ele não se deixava estereotipar, não gostava de rótulos. Gostava do diferente", resume. Passeando pelas praias de Raul Seixas a João Gilberto e Renato Russo, o eclético Jerry chega aos 35 anos de carreira com a marca do ecletismo. Conheça a letra de O Cavaleiro das Estrelas.

O Cavaleiro das Estrelas

Desde que o trem do além
O levou pro infinito
Que nas noites de lua
Se atento ouvira o seu grito
Olhe pro céu e verá um cavalo alado
O maluco beleza que em seu dorso feliz vem montado
E sempre rindo das coisas erradas dos homens
Vai seguindo rota sideral rumo ao desconhecido
E lá do alto contempla assombrado a terra
Mergulhada nas sombras do ódio, do crime e da guerra
Cavaleiros das estrelas
Que um dia viveu as loucuras do mundo
Hoje sem ter mais limites
Liberto passeia no espaço profundo
Com certeza você encontrou
Toda paz que em vida sonhou
E no mundo astral compreendeu
Que a verdade é o amor
E mesmo que você vá por todos os universos
Sua luz brilhará como sol
Pela noite dos tempos
Leve amigo a certeza de nossa saudade
E que um dia nos encontraremos na eternidade
Raul Santos Seixas, seu nome
Raul ao contrário é luar
O pai de todos os malucos
Não é mais o medo de amar