A melhor de todas as épocas do Época de Ouro
Legendário grupo de choro comemora o sucesso do álbum Café Brasil com shows e já planeja novo trabalho para 2002
Julio Moura
09/11/2001
"Você já ouviu Lobão cantando choro?", pergunta o veterano Jorginho do Pandeiro, exultante com o sucesso de Café Brasil (WEA/Teldec), disco puxado pelo grupo Época de Ouro, que vendeu, desde o lançamento, em agosto, cerca de 100 mil cópias - entre o Brasil, Alemanha, Japão e os EUA. O grupo, formado ainda por César Faria, Dino 7 Cordas, Toni (violões), Jorge Filho (cavaquinho) e Ronaldo (bandolim), celebra o feito neste sábado (dia 10) a partir das 20h, em única apresentação na Sala Cecilia Meireles (RJ).
Não que Lobão vá participar. Ele sequer está em Café Brasil, que a princípio nem era necessariamente um disco do Época de Ouro. Jorginho destrincha a história:
"Começamos a gravar um disco em 96, por conta própria, no estúdio Companhia dos Técnicos. Convidamos Paulinho da Viola, Marisa Monte, Lobão e Elba Ramalho, e tentamos negociar com algumas fábricas (gravadoras). Ninguém se interessava. Até que surgiu a Warner, que topou lançar o disco, desde que o Época de Ouro participasse do Café Brasil, uma compilação idealizada pela gravadora alemã Teldec. Acontece que os alemães gostaram tanto do nosso material, que metade do CD acabou sendo o repertório que havíamos gravado. A outra metade foi produzida por Rildo Hora, que chamou Martinho da Vila, Altamiro Carrilho, Ademilde Fonseca e por aí vai", resume o pandeirista.
Segundo Jorginho, as participações de Lobão (em Chorando no Campo) e Elba (em Doce Ilusão) acabaram de fora de Café Brasil, mas estarão no próximo lançamento do grupo, programado para março. O disco, que segundo Jorginho deverá chamar-se Canta Brasil ou Café Brasil 2, trará exatamente a metade que ficou de fora, possivelmente acrescida de novas gravações.
"Não faz sentido repetir as mesmas versäes do disco que acabou de sair, como a gravadora planejou a princípio. Mas vamos discutir o novo CD a partir de dezembro, eles (os diretores) estão muito ocupados agora", aquiesce. "Temos um material muito bom, pronto para ser lançado. Você já ouviu Lobão cantando choro?", indaga Jorginho, recuperando o elo perdido do início da reportagem.
O empurrão de Paulinho
Jorginho do Pandeiro é o líder do Época de Ouro. A condição lhe foi outorgada por autoridade incontestável, o violonista César Faria, pai de Paulinho da Viola - membro do grupo desde sua fundação, por Jacob do Bandolim, no final dos anos 50. O próprio Jorginho só entraria oficialmente na formação em 1967, no álbum Vibrações, último disco de estúdio gravado por Jacob. O grupo participaria ainda do famoso concerto que originou o clássico Elizeth Cardoso, Jacob do Bandolim, Zimbo Trio e Época de Ouro, lançado em 68. Com a morte de Jacob, um ano depois, o Época entrou em recesso. Até que, em 72, Paulinho da Viola instigou o pai a reformular o grupo para o espetáculo Sarau, estrelado por Paulinho e produzido por Sérgio Cabral.
"O César andava desanimado, não queria mais saber de tocar. Mas o Paulinho insistiu e um dia ele me ligou. 'Olha, Jorginho', ele disse, 'eles querem refazer o Época'. E me passou a bola: 'você é quem vai cuidar de tudo'. Até hoje é assim. Quando alguém procura o César para falar do Época de Ouro, ele manda ligar pra mim", orgulha-se Jorginho.
Na volta do grupo, em 72, um jovem bandolinista, apontado pelo próprio Jacob como seu sucessor, ocupou o lugar do chefe. Era Déo Rian, que logo partiria para carreira solo, deixando o posto para Ronaldo do Bandolim. No violão de sete cordas, o lendário Dino, o homem que formatou o instrumento no choro, a partir da influência do ancestral Tute, que um dia resolveu acoplar um bordão a mais em seu pinho, de modo a imprimir maior movimento aos contrapontos.
A bronca de Chatô
Aos 85 anos, Dino continua dando aulas, no Bandolim de Ouro e na Casa Oliveira. Já foi pior. Nos anos 60, quando o choro andou em baixa, espremido pela Jovem Guarda, Dino chegou a tocar guitarra em conjunto de bailes. Pouco depois, assinava os arranjos dos dois primeiros discos de Cartola, pela Marcus Pereira. Currículo suficiente para reconduzir ao panteão (palavra que Cartola adorava) um músico cujos acompanhamentos se confundem com a própria história do samba e do choro.
"É verdade. Toquei guitarra em bailes, quando a coisa estava feia. Hoje é diferente. A juventude redescobriu o choro", celebra Dino, mestre de Raphael Rabello, com quem lançou um disco em dupla, em 88. Jorginho lembra de como conheceu Dino, já um violonista consagrado, na Rádio Tupi.
"Dino fazia dupla com Meira, no regional do (flautista) Benedicto Lacerda, onde comecei profissionalmente. Acontece que o Benedicto tocava com Pixinguinha e começou a faltar aos programas. O Assis Chateaubriand um dia chamou o (cavaquinista) Canhoto e ameaçou demitir todo mundo caso as faltas continuassem. Dito e feito. Dispensados pela Tupi, arrumamos emprego na Mayrink Veiga. Convidamos o Altamiro Carrilho e o grupo passou a se chamar Regional do Canhoto. Foi o embrião do Época de Ouro", associa Jorginho do Pandeiro.
Um ensaio que vale ouro
Os dois primeiros discos de Jacob do Bandolim e Época de Ouro, com Gilberto no lugar que seria de Jorginho, Chorinhos e Chorões e Primas e Bordões saíram no início dos anos 60. Em 67, foi lançado o já citado Vibrações. Depois da volta, sem Jacob, o grupo lançou álbuns importantes como Época de Ouro interpreta Pixinguinha e Benedicto Lacerda, em 77, considerado o melhor disco instrumental do ano. Em 85, foi uma das atrações brasileiras do primeiro Free Jazz, aquele que trouxe Chet Baker ao Brasil. Embora participasse das turnês desde 73, Ronaldo do Bandolim só gravaria seu primeiro álbum com o época, em 87, o antológico Dino - 50 anos, que celebrava chorando meio século de música do violonista.
"A vida do chorão é tocar, bater papo e beber uma cervejinha" - diz Ronaldo. "É claro que a gente fica surpreso com a receptividade, não só do nosso disco, mas do choro de uma maneira geral. O melhor é que o gênero vem sendo redescoberto pelos jovens, uma reação a tanta porcariada que se escuta nas rádios. A minha geração, por volta dos 40, não teve peito pra reagir, mas a rapaziada nova esta aí, frequenta a Lapa, vai às rodas. Nos anos 80, o Zé da Velha andava esquecido, tocando em botecos. Hoje o choro está em toda parte", festeja o bandolinista. "Mas não vamos pensar que tudo é festa. Antigamente a vida era mais simples. É um absurdo que alguém como o Dino ainda precise dar aulas para sobreviver. Esta é a sina do músico brasileiro", pondera Ronaldo.
Em relação à atual temporada atual de shows, uma informação ilustra vislumbres transcendentais de entrosamento. "Sabe quantos ensaios a gente fez para este show? Um, apenas. O Jorginho sugeriu de a gente evitar músicas óbvias. Dizem que o Jacob era perfeccionista, exigia que todos ensaiassem à exaustão. Hoje a coisa é diferente, até por falta de tempo. Se alguém erra, a gente dá um perdão e passa por cima", dribla o bandolinista, sob o ouro reluzente de tantas épocas.
Não que Lobão vá participar. Ele sequer está em Café Brasil, que a princípio nem era necessariamente um disco do Época de Ouro. Jorginho destrincha a história:
"Começamos a gravar um disco em 96, por conta própria, no estúdio Companhia dos Técnicos. Convidamos Paulinho da Viola, Marisa Monte, Lobão e Elba Ramalho, e tentamos negociar com algumas fábricas (gravadoras). Ninguém se interessava. Até que surgiu a Warner, que topou lançar o disco, desde que o Época de Ouro participasse do Café Brasil, uma compilação idealizada pela gravadora alemã Teldec. Acontece que os alemães gostaram tanto do nosso material, que metade do CD acabou sendo o repertório que havíamos gravado. A outra metade foi produzida por Rildo Hora, que chamou Martinho da Vila, Altamiro Carrilho, Ademilde Fonseca e por aí vai", resume o pandeirista.
Segundo Jorginho, as participações de Lobão (em Chorando no Campo) e Elba (em Doce Ilusão) acabaram de fora de Café Brasil, mas estarão no próximo lançamento do grupo, programado para março. O disco, que segundo Jorginho deverá chamar-se Canta Brasil ou Café Brasil 2, trará exatamente a metade que ficou de fora, possivelmente acrescida de novas gravações.
"Não faz sentido repetir as mesmas versäes do disco que acabou de sair, como a gravadora planejou a princípio. Mas vamos discutir o novo CD a partir de dezembro, eles (os diretores) estão muito ocupados agora", aquiesce. "Temos um material muito bom, pronto para ser lançado. Você já ouviu Lobão cantando choro?", indaga Jorginho, recuperando o elo perdido do início da reportagem.
O empurrão de Paulinho
Jorginho do Pandeiro é o líder do Época de Ouro. A condição lhe foi outorgada por autoridade incontestável, o violonista César Faria, pai de Paulinho da Viola - membro do grupo desde sua fundação, por Jacob do Bandolim, no final dos anos 50. O próprio Jorginho só entraria oficialmente na formação em 1967, no álbum Vibrações, último disco de estúdio gravado por Jacob. O grupo participaria ainda do famoso concerto que originou o clássico Elizeth Cardoso, Jacob do Bandolim, Zimbo Trio e Época de Ouro, lançado em 68. Com a morte de Jacob, um ano depois, o Época entrou em recesso. Até que, em 72, Paulinho da Viola instigou o pai a reformular o grupo para o espetáculo Sarau, estrelado por Paulinho e produzido por Sérgio Cabral.
"O César andava desanimado, não queria mais saber de tocar. Mas o Paulinho insistiu e um dia ele me ligou. 'Olha, Jorginho', ele disse, 'eles querem refazer o Época'. E me passou a bola: 'você é quem vai cuidar de tudo'. Até hoje é assim. Quando alguém procura o César para falar do Época de Ouro, ele manda ligar pra mim", orgulha-se Jorginho.
Na volta do grupo, em 72, um jovem bandolinista, apontado pelo próprio Jacob como seu sucessor, ocupou o lugar do chefe. Era Déo Rian, que logo partiria para carreira solo, deixando o posto para Ronaldo do Bandolim. No violão de sete cordas, o lendário Dino, o homem que formatou o instrumento no choro, a partir da influência do ancestral Tute, que um dia resolveu acoplar um bordão a mais em seu pinho, de modo a imprimir maior movimento aos contrapontos.
A bronca de Chatô
Aos 85 anos, Dino continua dando aulas, no Bandolim de Ouro e na Casa Oliveira. Já foi pior. Nos anos 60, quando o choro andou em baixa, espremido pela Jovem Guarda, Dino chegou a tocar guitarra em conjunto de bailes. Pouco depois, assinava os arranjos dos dois primeiros discos de Cartola, pela Marcus Pereira. Currículo suficiente para reconduzir ao panteão (palavra que Cartola adorava) um músico cujos acompanhamentos se confundem com a própria história do samba e do choro.
"É verdade. Toquei guitarra em bailes, quando a coisa estava feia. Hoje é diferente. A juventude redescobriu o choro", celebra Dino, mestre de Raphael Rabello, com quem lançou um disco em dupla, em 88. Jorginho lembra de como conheceu Dino, já um violonista consagrado, na Rádio Tupi.
"Dino fazia dupla com Meira, no regional do (flautista) Benedicto Lacerda, onde comecei profissionalmente. Acontece que o Benedicto tocava com Pixinguinha e começou a faltar aos programas. O Assis Chateaubriand um dia chamou o (cavaquinista) Canhoto e ameaçou demitir todo mundo caso as faltas continuassem. Dito e feito. Dispensados pela Tupi, arrumamos emprego na Mayrink Veiga. Convidamos o Altamiro Carrilho e o grupo passou a se chamar Regional do Canhoto. Foi o embrião do Época de Ouro", associa Jorginho do Pandeiro.
Um ensaio que vale ouro
Os dois primeiros discos de Jacob do Bandolim e Época de Ouro, com Gilberto no lugar que seria de Jorginho, Chorinhos e Chorões e Primas e Bordões saíram no início dos anos 60. Em 67, foi lançado o já citado Vibrações. Depois da volta, sem Jacob, o grupo lançou álbuns importantes como Época de Ouro interpreta Pixinguinha e Benedicto Lacerda, em 77, considerado o melhor disco instrumental do ano. Em 85, foi uma das atrações brasileiras do primeiro Free Jazz, aquele que trouxe Chet Baker ao Brasil. Embora participasse das turnês desde 73, Ronaldo do Bandolim só gravaria seu primeiro álbum com o época, em 87, o antológico Dino - 50 anos, que celebrava chorando meio século de música do violonista.
"A vida do chorão é tocar, bater papo e beber uma cervejinha" - diz Ronaldo. "É claro que a gente fica surpreso com a receptividade, não só do nosso disco, mas do choro de uma maneira geral. O melhor é que o gênero vem sendo redescoberto pelos jovens, uma reação a tanta porcariada que se escuta nas rádios. A minha geração, por volta dos 40, não teve peito pra reagir, mas a rapaziada nova esta aí, frequenta a Lapa, vai às rodas. Nos anos 80, o Zé da Velha andava esquecido, tocando em botecos. Hoje o choro está em toda parte", festeja o bandolinista. "Mas não vamos pensar que tudo é festa. Antigamente a vida era mais simples. É um absurdo que alguém como o Dino ainda precise dar aulas para sobreviver. Esta é a sina do músico brasileiro", pondera Ronaldo.
Em relação à atual temporada atual de shows, uma informação ilustra vislumbres transcendentais de entrosamento. "Sabe quantos ensaios a gente fez para este show? Um, apenas. O Jorginho sugeriu de a gente evitar músicas óbvias. Dizem que o Jacob era perfeccionista, exigia que todos ensaiassem à exaustão. Hoje a coisa é diferente, até por falta de tempo. Se alguém erra, a gente dá um perdão e passa por cima", dribla o bandolinista, sob o ouro reluzente de tantas épocas.