A MPB e Bob Dylan

Aos 60 anos, o roqueiro americano tem suas marcas na música brasileira

Marco Antonio Barbosa
23/05/2001
Clique aqui para conferir o especial sobre Bob Dylan do canal de música do UOL e da Rádio UOL
Cliquemusic deixa de lado sua bandeira "100% música brasileira" para homenagear Bob Dylan, nascido - exatamente há 60 anos - Robert Allen Zimmerman. A deferência se justifica, justamente porque Dylan deixou várias marcas na história de nossa música. Ativo desde o fim dos anos 50, o cantor protagonizou sucessivas revoluções na música pop de seu país (e, por tabela, na do mundo inteiro). Primeiro, reergueu a dita folk music de Woody Guthrie, injetando-a de consciência política; depois, eletrificou esta mesma folk music, causando espanto dos puristas, e detonou uma seqüência de álbuns clássicos (Highway 61 Revisited, de 1964, Blonde on Blonde, de 66, John Wesley Harding, 68...). Seguiu pelos anos 70, 80 e 90 afora, reinventando-se.

E o que a música brasileira tem a ver com isso? O fato é que as canções de Dylan vêm influenciando artistas tão distintos quanto o Skank, Caetano Veloso e os Engenheiros do Hawaii ao longo dos anos. "Dylan é uma referência muito forte para qualquer um ligado em rock. Eu diria até mais, para qualquer um que pegue um violão para compôr uma canção", afirma Zé Ramalho, um dos mais assumidos dylanófilos da MPB, que já verteu para o português duas canções do bardo americano: Knocking on Heaven's Door (que virou Batendo na Porta do Céu) e Hurricane (ou Frevoador). No som de Zé, a influência de Dylan pode se sentir principalmente os primeiros trabalhos do cantor paraibano - o canto discursivo, trovadorístico, a forte presença do violão, tudo convivendo com a tradição nordestina. "Frevoador é a música-título de meu disco de 1992. Transformei a música de Dylan num frevo", lembra Zé.

Por curiosidade, a cantora e pianista Cida Moreira (atualmente no ar como atriz na telenovela Estrela-guia) também andou pegando carona em Hurricane, dando à sua versão um título mais literal: Furacão. "Nos anos 70, ouvia muito as músicas de Dylan. Hurricane em especial me marcou muito, mas tenho várias outras canções dele em meu coração. A voz dele é muito pungente e suas letras sempre têm algo a dizer."

Transformar canções de Dylan do inglês para a língua pátria é um procedimento menos incomum do que pode parecer. Além das tentativas de Zé Ramalho, gente insuspeita como Caetano Veloso já se arriscou - com uma versão para It's All Over Now, Baby Blue, canção de 1965 de Dylan, que acabou virando Negro Amor. A versão apareceu pela primeira vez em 1977 num disco de Gal Costa. Acabou voltando à baila em 1999, por obra dos Engenheiros do Hawaii, no álbum Tchau Radar. "Essa versão do Caetano é legal, é tão boa quanto a original. Sempre tive certas reservas sobre tocar músicas dos outros, mas essa é diferente", admite Humberto Gessinger, vocalista, baixista e compositor dos Engenheiros. E como compositor, onde entra Dylan em seu espectro de influências? "Eu me ligo mais nele pela coisa do trovador solitário, meio heróico. Gosto de figuras como ele, nesse ponto é que eu me identifico. As interpretações das músicas dele com The Band são muito boas."

Outro Zé, também nordestino - Zé Geraldo - gostou tanto da versão caetânica para Negro Amor que registrou a música duas vezes, nos álbuns Aprendendo a Viver (1995) e Zé Geraldo Acústico (96). E outro Geraldo - desta vez, Geraldo Azevedo - transformou por conta própria Tomorrow Is a Long Time em O Amanhã É Distante, em 1996.

De todas as versões mais conhecidas, a que mais fez sucesso comercial foi Tanto, gravada pelo Skank em seu disco de estréia. O grupo mineiro fez questão de adicionar o subtítulo (I Want You) ao nome da música - um clássico de Dylan de 1966, com letra passada para o português por Chico Amaral.

Desde a Jovem Guarda há ouvidos abertos para Dylan no Brasil. "Conhecemos o Bob Dylan primeiro pelas versões que (o grupo) The Byrds fazia das músicas deles, ainda nos anos 60. Foi aí que esse som nos pegou", conta Renato Barros, vocalista dos seminais Renato & Seus Blue Caps. Em 1981, os Blue Caps mandaram ver um cover (em inglês) de Mr.Tambourine Man, grande sucesso de Dylan de 1964 - ainda de sua fase folk "radical". O arranjo da versão dos Blue Caps é, de fato, inspirado na gravação dos Byrds (que data de 1965).

E realmente não é tão dificil encontrar versões (com a letra original) de músicas de Dylan nas vozes de intérpretes brasileiros. O próprio Caetano Veloso de Negro Amor recriou, de modo inspirado, Jokerman de Dylan para seu disco Circuladô Ao Vivo, em 1993. Um ano depois, Renato Russo (em seu primeiro álbum solo) registraria a melancólica If You See Him, Say Hello. Mais recentemente, Vitor Ramil gravou duas canções de Dylan em seu disco Tambong: You're a Big Girl Now e Gotta Serve Somebody.