A MPB em um caminhão de coletâneas

Assessores das principais gravadoras defendem o boom das compilações como forma de reciclar seus catálogos a preço baixo e não acreditam que a saturação do formato venha tão cedo

Rodrigo Faour
29/09/2000
Quem costuma ir com freqüência às lojas de discos só vê coletâneas de MPB nas prateleiras. E tome Pérolas, Bis, E-Collection, Vinteum XXI – 21 Grandes Sucessos, Focus, Acervo, Raízes do Samba, Enciclopédia Musical Brasileira, Millenium, Seleção de Ouro e tantas outras. Isso não é por acaso. É que as gravadoras estão faturando alto com essas séries – a maioria delas já vendeu mais de um milhão de cópias. Elas foram as grandes responsáveis pelo aumento de 17% das vendas de CD ocorrido no país entre janeiro e agosto últimos. Embora sejam coletâneas que custam cerca de um terço do preço de um lançamento inédito, as fábricas ganham pelo montante alto que conseguem empurrar para as lojas (e consumidores) e por serem puramente uma reciclagem de material já existente em seus acervos. Ou seja, o custo é baixo, o preço de venda também e o lucro... altíssimo. Mas se o negócio é da China, por que é que somente agora está acontecendo esse boom das coletâneas?

A CliqueMusic foi ouvir os diretores e assessores de marketing estratégico de algumas das principais gravadoras brasileiras. Eles não acreditam que estejam acostumando mal o público, que futuramente poderia não mais querer comprar discos de carreira dos artistas, esperando pelas coletâneas. A maioria acredita que esse boom seja uma tendência de mercado, conseqüência do momento econômico do país. Márcia Oliva, da Sony Music, por exemplo, diz que a gravadora sempre se preocupou em editar coletâneas de seus artistas, com títulos vendidos separadamente. Mas agrupá-las em séries passou a ser mais lucrativo.

"Esses produtos que estão hoje nas prateleiras até já existiam em catálogo, mas com outra roupagem", diz Márcia. "As séries são importantes por causa da visibilidade nas lojas. Como a quantidade de novos lançamentos é muito grande, os nossos discos de catálogo não ficavam muito valorizados. Criando uma identidade visual semelhante, ao invés de agrupar os discos nas lojas em ordem alfabética, o lojista pode colocá-los numa gôndola à parte, promovendo melhor os produtos."

Márcia esmiúça melhor como funciona o processo de reciclagem de catálogo em forma de coletâneas. "Do ponto de vista de merchandising é interessante fazermos um best of de um grupo (em voga) como Karametade e linkar a outros artistas que não estão com uma visibilidade tão grande na mídia. Como 80% da decisão de compra acontece na própria loja, a pessoa vê na mesma prateleira coletâneas de artistas próximos ao da que ela quer comprar, e acaba comprando também, por impulso", explica Márcia expondo os números de venda da Sony.

Vendagem em tempo recorde
A coleção Brilhantes, lançada em 1996 e reeditada por três vezes, vendeu mais de dois milhões de unidades. As Melhores emplacou entre 1997 e 98 um milhão e meio. A atual Vinteum bateu um milhão e duzentas cópias (em pouco mais de um mês nas lojas) e já houve um pedido de reposição de 300 mil. Para completar, a companhia lança em novembro a continuação da coleção, agora com títulos internacionais.

Se a Sony investiu em coletâneas manjadas, sem grandes novidades, a EMI, a BMG e a Warner trataram de raspar o tacho de seus acervos, angariando faixas raras ou de outros selos para suas compilações, o que resultou numa ótima estratégia de vendas. A Warner lançou a Enciclopédia Musical Brasileira (com fonogramas históricos da Continental, que raramente ou nunca haviam sido lançados em CD) e a E-Collection (com CDs duplos repletos de raridades de compactos ou sobras de estúdio).

José Celso Guido está satisfeito com o trabalho de resgate do catálogo da Warner. "Precisamos recolocar nosso catálogo nas lojas com preços mais baixos, pois as pessoas começaram a pesquisar preços e querem discos mais baratos. Mas fizemos coleções aliando qualidade e preço mais barato, pois é complicado você vender um material antigo com preço top. Temos até a Série Dois Momentos (dois LPs em um CD) que aparecem pelo preço de um", defende. Guido acha que o consumidor está ganhando com essa tendência de mercado. "O boom passa. O importante é fazer isso com critério e qualidade e oferecendo arte gráfica completa, buscar qualidade com preço mais baixo".

BMG e EMI são campeãs de vendas
As gravadoras mais bem-sucedidas no mercado das coletâneas de MPB são a EMI e a BMG. A primeira emplacou só neste ano três séries: Bis (de CDs duplos, com algumas faixas raras), Raízes do Samba (reciclando boa parte do rico catálogo de samba da companhia) e Seleção de Ouro (apenas com artistas bem populares). A Coleção Bis já vendeu mais de dois milhões de exemplares (fora a Bis Sertaneja, que já passou de um milhão, e as que a EMI ainda vai lançar até o fim do ano: a Bis Jovem Guarda e a Bis Cantores do Rádio). A Seleção de Ouro também está chegando no milhão. Guilherme Costa, da EMI, concorda com o colega da Warner que boa parte do sucesso dessas coleções se deve aos preços convidativos. "Como o custo é mais em conta do que o lançamento de um produto novo, o preço fica mais acessível, fora o fato de fazer com que a EMI tenha uma marca forte no mercado. O consumidor final pode não prestar muita atenção nesse detalhe, mas os lojistas percebem", acredita.

Outra que está rindo à toa é Adriana Ramos, da BMG. Ela caprichou nas embalagens da série Focus (que foi a única a incluir textos, informações das fichas técnicas originais, algumas faixas menos batidas etc.) e conseguiu vender cinco milhões de unidades de seus 55 títulos em um ano. Adriana diz que o êxito da coleção se deve a um conjunto de fatores. "O preço baixo é um dos fatores que pesam. Com o advento do Plano Real no início do governo FHC, uma camada de poder aquisitivo mais baixo passou a ter acesso a aparelhos de CD e o consumo de discos mais populares aumentou. E a Focus atinge a todas as camadas sociais. Alia o preço, interessante a todas as camadas, à qualidade dos discos, já que incluímos informações nos encartes (o que pesa nas camadas mais altas)."

Antes de lançar a Focus, a BMG havia editado a série O Melhor de em 1997 que chegou a 2 milhões e meio de discos vendidos. Agora, além da Focus, ela também lançou no mercado a série Grandes Sucessos (com artistas populares) que chegou a 300 mil discos e relançou a série Acervo (com diversos títulos inclusive da velha guarda), que foi lançada em 1993 e já está chegando à marca das quatro milhões de unidades. Adriana não acredita que as gravadoras só fiquem nesse filão e também não descarta a possibilidade de relançamentos de CDs originais, embora saiba que esses não vendem tanto quanto as coletâneas. "Novidade todo mundo quer. Essa história de coletâneas é uma fase. Isso tem uma influência do momento em que o país está passando, mas música boa nunca deixa de vender, não importa o formato", encerra.