A nova cara do protesto cantado
MV Bill, O Rappa e Afroreggae puxam o bloco dos artistas cariocas engajados
João Ximenes Braga
31/05/2001
Ainda que todo o falatório sobre a imbecilidade das letras do funk carioca tenha arrefecido com o fim do calor, tudo aquilo parece ter deixado um gosto amargo na opinião pública sobre o Q.I. da música produzida no Rio. Que não procede. Existe, sim, uma geração de alma armada e apontada para a cara do sossego. Ela pode vir a não ser tão representativa de uma época quanto a dos menestréis da resistência à ditadura ou mesmo a do rock brasileiro (ou brasiliense) dos anos 80. Mas por uma série de características únicas, a galera que tem na linha de frente Rappa, MV Bill, AfroReggae e Planet Hemp demonstra que a música política e/ou de protesto contemporânea tem uma vitalidade inédita.
"A música de protesto de outros tempos foi feita pela classe média", lembra Luiz Carlos Maciel, vulgarmente conhecido como o papa da contracultura brasileira, que está lançando As Quatro Estações, uma análise histórica da rebeldia juvenil. "No Brasil, os compositores das classes desfavorecidas faziam música que procurasse atender ao gosto vigente do mercado, ajustada aos valores do sistema. Embora você possa ver na história do samba rupturas a isso, como Moreira da Silva com Na Subida do Morro
, trata-se de exceções. Quando surgiu, a canção de protesto era feita pelos jovens urbanos de classe média, tanto nos EUA, com Bob Dylan, quanto aqui. Chico Buarque é rico de nascença. Os tropicalistas, nem tanto, mas todos eram de classe média. Nunca se ouviu falar de tropicalista com dificuldade financeira. Os roqueiros dos 80 eram todos filhinhos de papai, tinham mesada. Podem ser rebeldes, mas não devido a uma necessidade vital. O fenômeno contemporâneo é que as próprias classes desfavorecidas começaram a usar a música como protesto."
Artistas se envolvem diretamente com ONGs
“Seja bem vindo ao meu mundo sinistro (...)/se não acredita no que eu falo então vem aqui/pra ver a morte de pertinho”, chama MV Bill, na faixa-título do CD Traficando Informação. Bill tem 27 anos, todos passados na Cidade de Deus, por onde anda tropeçando nas crianças que o bajulam como ídolo. Ganhou projeção nacional com a polêmica em torno de um videoclipe no qual usou soldados do tráfico reais. Mas é nas favelas - comunidades, neste universo semântico - que reside seu real estrelato. "Apontar os problemas é a coisa mais fácil do mundo. Difícil é tentar dar uma solução. Mais difícil ainda é se mobilizar para fazer alguma coisa", diz Bill.
A queixa não é nova e o debate sobre a responsabilidade e o alcance político da arte é inócuo há décadas. Mas outra peculiaridade dessa geração da música de protesto é que boa parte dela se envolve diretamente em ação social. Uma música política de resultados. MV Bill afirma ter um projeto de montar cursos profissionalizantes na Cidade de Deus e é um dos fundadores do Partido Popular Poder para a Maioria (PPPomar), um partido político do movimento negro, que ainda este mês dará entrada no pedido de reconhecimento pelo TSE.
O Rappa tem uma conhecida relação com a FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional), não só divulgando o trabalho da ONG como doando-lhe parte da renda de seu disco Lado B Lado A
. O AfroReggae, então, tem a peculiaridade de ser antes uma ONG que uma banda. Surgiu em 1983 como um grupo que produzia um jornal sobre cultura negra. Depois da chacina de Vigário Geral, resolveu entrar naquela favela para desenvolver um trabalho educativo. "De início, ensaiávamos com as crianças no meio da rua. De um lado ficava a passarela, por onde a polícia já entrava dando tiro; do outro, a boca de fumo. Ficávamos no meio do tiroteio. Você via crianças pequenas correndo, carregando instrumentos de percussão pesados", conta José Júnior, empresário e coordenador do grupo. "A coisa começou de forma natural. Ninguém era músico, nem formado em nada. Existia só um desejo muito forte vindo do fracasso nas nossas vidas pessoais combinado com nossa utopia."
Música a partir da política
AfroReggae, a ONG, tem 140 funcionários na folha de pagamento e recebe patrocínios da prefeitura e da Fundação Ford. AfroReggae, a banda, tem contrato com a gravadora Universal (pela qual lançou um álbum, Nova Cara
) e foi apadrinhada por mano Caetano. "Não foi uma banda em que o pessoal se reuniu e começou a tocar. Foi uma banda planejada, pensada. A música foi concebida a partir da política. Agora, esse discurso com a música ruim não adianta nada" ressalva Júnior.
Luiz Carlos Maciel acredita que a origem pobre desses artistas justifica sua participação social mais objetiva. Nessa turma, porém, dois não têm atividades assistencialistas: D2, líder do Planet Hemp, que é do Andaraí, e Gabriel O Pensador, que segue a tradição de originário da classe média que tem muito verbo - com doses iguais de sinceridade e ingenuidade - e pouca ação. D2 alega falta de tempo, já que além do Planet se dedica a diversas outras atividades musicais. Gabriel, cujo disco mais recente, Seja Você Mesmo
, é o mais político de sua carreira, fala por longo tempo na “vontade de fazer alguma coisa”, mas parece não conseguir chegar a uma definição sobre o quê. "A minha maior vontade agora é despertar a indignação nas pessoas", diz Gabriel. "Fico achando que a galera já está muito insensível em relação às noticias. Mas eu não sei como chamar a atenção, pois já está tudo na cara."
D2, que conta ter sido avião do tráfico ("é o normal para um moleque de 10, 12 anos no morro", diz), discorda. "Essa história de que a realidade pertence à periferia não me deixa muito satisfeito. A gente vive numa sociedade. Ninguém é melhor porque é pobre ou porque é rico. Um cara de classe média que tenha sentimentos verdadeiros sobre o que está acontecendo não é pior que alguém da favela", diz. Entre diferenças e semelhanças, não se pode negar que, por mais vitalidade que tenha e por mais que alguns desses nomes tenham alcançado o sucesso comercial, a música de protesto contemporânea ainda não teve um impacto como, digamos, a da geração de 68. "Independentemente da classe social, todos que ainda estão insistindo nessa temática somos exceções dentro de uma geração de várias classes sociais de gente desinformada, alienada", diz Gabriel.
"A música de protesto de outros tempos foi feita pela classe média", lembra Luiz Carlos Maciel, vulgarmente conhecido como o papa da contracultura brasileira, que está lançando As Quatro Estações, uma análise histórica da rebeldia juvenil. "No Brasil, os compositores das classes desfavorecidas faziam música que procurasse atender ao gosto vigente do mercado, ajustada aos valores do sistema. Embora você possa ver na história do samba rupturas a isso, como Moreira da Silva com Na Subida do Morro

Artistas se envolvem diretamente com ONGs
“Seja bem vindo ao meu mundo sinistro (...)/se não acredita no que eu falo então vem aqui/pra ver a morte de pertinho”, chama MV Bill, na faixa-título do CD Traficando Informação. Bill tem 27 anos, todos passados na Cidade de Deus, por onde anda tropeçando nas crianças que o bajulam como ídolo. Ganhou projeção nacional com a polêmica em torno de um videoclipe no qual usou soldados do tráfico reais. Mas é nas favelas - comunidades, neste universo semântico - que reside seu real estrelato. "Apontar os problemas é a coisa mais fácil do mundo. Difícil é tentar dar uma solução. Mais difícil ainda é se mobilizar para fazer alguma coisa", diz Bill.
A queixa não é nova e o debate sobre a responsabilidade e o alcance político da arte é inócuo há décadas. Mas outra peculiaridade dessa geração da música de protesto é que boa parte dela se envolve diretamente em ação social. Uma música política de resultados. MV Bill afirma ter um projeto de montar cursos profissionalizantes na Cidade de Deus e é um dos fundadores do Partido Popular Poder para a Maioria (PPPomar), um partido político do movimento negro, que ainda este mês dará entrada no pedido de reconhecimento pelo TSE.
O Rappa tem uma conhecida relação com a FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional), não só divulgando o trabalho da ONG como doando-lhe parte da renda de seu disco Lado B Lado A

Música a partir da política
AfroReggae, a ONG, tem 140 funcionários na folha de pagamento e recebe patrocínios da prefeitura e da Fundação Ford. AfroReggae, a banda, tem contrato com a gravadora Universal (pela qual lançou um álbum, Nova Cara

Luiz Carlos Maciel acredita que a origem pobre desses artistas justifica sua participação social mais objetiva. Nessa turma, porém, dois não têm atividades assistencialistas: D2, líder do Planet Hemp, que é do Andaraí, e Gabriel O Pensador, que segue a tradição de originário da classe média que tem muito verbo - com doses iguais de sinceridade e ingenuidade - e pouca ação. D2 alega falta de tempo, já que além do Planet se dedica a diversas outras atividades musicais. Gabriel, cujo disco mais recente, Seja Você Mesmo

D2, que conta ter sido avião do tráfico ("é o normal para um moleque de 10, 12 anos no morro", diz), discorda. "Essa história de que a realidade pertence à periferia não me deixa muito satisfeito. A gente vive numa sociedade. Ninguém é melhor porque é pobre ou porque é rico. Um cara de classe média que tenha sentimentos verdadeiros sobre o que está acontecendo não é pior que alguém da favela", diz. Entre diferenças e semelhanças, não se pode negar que, por mais vitalidade que tenha e por mais que alguns desses nomes tenham alcançado o sucesso comercial, a música de protesto contemporânea ainda não teve um impacto como, digamos, a da geração de 68. "Independentemente da classe social, todos que ainda estão insistindo nessa temática somos exceções dentro de uma geração de várias classes sociais de gente desinformada, alienada", diz Gabriel.