A nova Elza Soares: dura na queda ou na ascensão

Do Cóccix Até o Pescoço encontra a veterana cheia de vitalidade, dividindo espaço com novatos e medalhões

Filipe Quintans
11/07/2002
Elza Soares está arrepiada. Mas um arrepio bom, daqueles que desvendam a verdade dos fatos e do lugar onde vive, ela sente aquele ar gelado (sem trocadilhos) Do Cóccix Até o Pescoço ouvir 30s , como no título de seu novo disco (Maianga discos). Dirigida pelo pesquisador José Miguel Wisnik, Elza atesta a verdade, elemento-chave de sua vida e de sua obra como cantora, como seu moto-perpétuo.

"Sempre falei a verdade, e por mais que isso pareça bom, sempre fui combatida", diz a cantora, por telefone. A suposta "dureza" da verdade de sua figura e de sua vida pessoal, para Elza nunca foi motivo de sentir-se tolhida gratuitamente. "A verdade deixa todo mundo de saia justa, mas comigo é assim: faça chuva ou faça sol, eu sou verdadeira".

Totalmente refeita da fratura no quadril devido a um tombo em pleno palco ("Tô tinindo", diz) que tirou-a de circulação em 1999, Elza continua a mesma amante do palco como sempre foi. "Gosto da cozinha, gosto muitíssimo da cama, mas é no palco que me encontro" elogia a tribuna viva que é o palco e que jamais perderá a excelência para ela. "Nele (o palco), o orgasmo é mais forte, tudo é mais intenso", afirma.

Gente nova e samba

Do Cóccix Até o Pescoço é o produto secundário do show que Elza fez em meados de 1999 sob a direção musical de Wisnik e cenografia de Gringo Cardia, ambos envolvidos a sua maneira no projeto do CD. A direção artística de Wisnik, levou Elza a gravar gente mais nova (Marcelo Yuka, Seu Jorge, Arnaldo Antunes), contemporâneos (Caetano Veloso, Chico Buarque, Jorge Benjor) e antepassados (Ernesto Nazareth, com letra de Wisnik e Oswald de Andrade, musicado pelo pesquisador). Mesmo com a diversidade de repertório, a cantora continua pagando a dívida de fé com o samba, sua matriz primeira e sempre referencial. "Sempre lancei gente nova, sempre gravei gente nova, mas o samba sempre esteve em mim e no meu canto" analisa.

Cria de Padre Miguel (subúrbio do Rio de Janeiro), ela mantém o vínculo com o samba, mesmo que esse podendo ser elemento contestação, assim como o rock, não o seja. "É só lembrar de João Gilberto cantando 'pra que discutir com madame'. O samba faz parte do meu planeta, do planeta fome. Nesse ponto, o samba é igual ao rock, espremendo bem nas laterais, ficam idênticos".

O samba ainda é matéria para traçar um paralelo entre a música e a realidade brasileira. "Adorei o título (da seleção brasileira), achei ótimo. Mas por que não aproveitamos o clima de felicidade para pedir mais saúde e todas as coisas que nossas crianças precisam? O povo merece felicidade, mas tem que ir para a rua, mostrar a força do gigante, 'segurar esse País no braço'", completa, citando o verso de A Carne, parceria de Marcelo Yuka (O Rappa) com Seu Jorge (ex-Farofa Carioca) e Ulisses Capelleti.

Sobre novos talentos, Elza é sensata. "Ouço com paciência as coisas novas que chegam até mim e procuro sempre ajudar. Por isso já quebrei a cara, mas também já ajudei pessoas muito talentosas".

Ao mesmo tempo, a colaboração de medalhões da MPB foi importante para a vitalidade do álbum. Chico Buarque (com quem a cantora divide o sucesso Façamos, atual destaque em telenovela global) cedeu a faixa de abertura, Dura na Queda - um samba no qual Elza brinca com seus recentes reveses no palco. Jorge Ben Jor é o patrono em Hoje É Dia de Festa, funk com altíssimos teores de suingue. Caetano Veloso entra com Dor-de-cotovelo, de onde saiu a expressão-título do CD, e Luiz Melodia assina o momento mais pungente do disco, o chorinho Fadas.

A fala concisa de Elza sobre a "questão" brasileira ganha vários pontos de intersecção com o rap, bastante presente em Do Cóccix Até o Pescoço e, segundo a mesma, uma linguagem interessante. "Do menino jogando bolinha na frente dos carros para conseguir um dinheiro até o povo gritando por seus direitos na rua, tudo é rap", diz. A linguagem do binômio "ritmo/poesia" se faz presente em algumas canções do disco, como a regravação de Haiti (Caetano Veloso/Gilberto Gil). "O rap fala a mesma verdade que o samba, fala a linguagem do Brasil, cobrando e falando 'o que madame não gosta', opina a cantora".